Desde antes de sua estréia recente na TV por assinatura, o documentário O Sepulcro Esquecido de Jesus, do canal Discovery, causou controvérsia ao alegar que os restos mortais de Jesus Cristo teriam sido encontrados em uma tumba em Jerusalém. O documentário, no entanto, não só é tendencioso como também é cheio de erros e imprecisões. Apresentamos a seguir uma série de trechos do documentário revelando seus pontos fracos, para que os leitores possam argumentar quando confrontados com as informações do filme.
Resumo
O Sepulcro Esquecido de Jesus é produzido por James Cameron (diretor de Titanic) e dirigido e escrito pelo jornalista Simcha Jacobovici. O documentário tem como ponto de partida a descoberta de uma tumba com dez ossuários (urnas que continham restos mortais de uma ou mais pessoas) em Talpiot, na cidade de Jerusalém, em 1980. Dos dez ossuários, alguns tinham inscrições que permitiam identificar a pessoa que tinha sido sepultada lá. Um deles pertenceria a um “Jesus filho de José”. Entre os outros ossuários havia um com os restos de uma “Maria”. Para os cineastas, trata-se de Jesus Cristo e da Virgem Maria. Ora, algo assim contraria não apenas a ressurreição de Cristo, mas ainda a assunção de Nossa Senhora – daí a polêmica toda.
O documentário todo é construído para que o espectador acredite que está sendo feita uma pesquisa do tipo “vamos ver que informações conseguimos e, dependendo do que encontrarmos, podemos dizer se o ossuário é ou não de Jesus de Nazaré”. No entanto, Cameron e Jacobovici têm outra coisa em mente: eles querem provar que o “Jesus filho de José” é Jesus Cristo. Este é seu ponto de partida. Qualquer coincidência que possa ser manipulada para atingir o objetivo é explorada no filme; qualquer ponto obscuro ou informação que afaste o espectador desta conclusão é ignorada, como veremos adiante.
Os “irmãos de Jesus”
Além de “Jesus filho de José” e de “Maria”, há uma urna que conteria os restos de um certo “Joset”. É o pretexto para Cameron e Jacobovici retomarem uma discussão antiga: a dos “irmãos de Jesus”. Uma videografia (recurso usado em televisão, como se fosse um gráfico) mostra a “árvore genealógica” de Jesus, colocando-o como filho de Maria e José, mas acrescentando também duas irmãs (o filme diz que “a tradição cristã” oferece os nomes delas – só não diz que tradição é esta, porque não existe nada parecido) e quatro irmãos: Judas, Simão, Tiago e José. Na árvore genealógica do filme, tanto os quatro irmãos quanto as duas irmãs “saem” de Maria e José.
De fato, os nomes Judas, Simão, Tiago e Joset aparecem nos evangelhos de Mateus e de Marcos, como “irmãos de Jesus”, na passagem em que os moradores de Nazaré ouvem a pregação de Cristo e dizem “mas não é o filho do carpinteiro?”. Cameron e Jacobovici querem empurrar adiante a idéia de que eles são irmãos de Jesus no sentido que a palavra tem hoje nas línguas modernas, ignorando totalmente as evidências segundo as quais os “irmãos” de Jesus seriam outra categoria de parentes:
Leitor pergunta sobre a virgindade perpétua de Maria
Mateus
A quarta urna identificada é de um certo “Mateus” ou “Matias”. Aparentemente esse é um problema para os cineastas: não existia nenhum Mateus ou Matias no círculo familiar de Jesus. Havia o apóstolo Mateus, é verdade, mas os próprios Cameron e Jacobovici consideram improvável que ele fosse sepultado junto com a “família de Jesus”.
Para resolver o problema, os cineastas recorrem a uma grande pirueta: analisando a genealogia de Nossa Senhora fornecida por São Lucas, um especialista encontra oito variantes do nome Mateus ou Matias. Assim, eles empurram para o espectador a conclusão de que obviamente trata-se de alguém da família da Virgem. Ora, uma afirmação dessas não passa de um tremendo chute – não existe nenhum outro elemento, fora a freqüência do nome, que permita chegar a esse resultado. Os cineastas agem como se nenhuma outra família judaica do tempo de Jesus pudesse usar o nome Mateus ou Matias...
Com esse chute Cameron e Jacobovici se livram do incômodo de encontrar nas urnas de Talpiot alguém que não é nem mencionado nos Evangelhos, e podem seguir adiante com suas suposições.
Maria Madalena
Um outro ossuário traz uma inscrição com duas palavras em grego. É aí que vemos os malabarismos mais ridículos do documentário na tentativa de provar que aquela urna pertence a Maria Madalena. Um primeiro problema para os cineastas: o nome escrito não tem nada a ver com Maria Madalena ou Maria de Magdala. Aí começa a acrobacia: na verdade, a inscrição no ossuário diria algo como “Mariamne Mara”, e a explicação seria a seguinte: o “Mara” se referiria à posição de mestra/apóstola que Madalena teria entre os primeiros cristãos, pois a palavra poderia ser entendida como “senhora” ou “mestra”. Para o “Mariamne”, os cineastas recorrem a um apócrifo chamado Atos de Filipe – esse Filipe seria um irmão de Madalena. Mas, curiosamente, no apócrifo Madalena é chamada de Mariamne. Fica um grande buraco aí: por que essa diferença entre os nomes? Mas não interessa aos documentaristas resolver esta questão, afinal eles têm em mãos uma “evidência” de que “Mariamne Mara” é Maria Madalena, justamente o que eles queriam, e é melhor empurrar as incoerências para baixo do tapete.
Aliás, o documentário aproveita para difundir teorias conspiratórias sobre a Igreja: no século II teria eliminado quaisquer livros que dessem importância a Maria Madalena, como os Atos de Filipe e o Evangelho de Maria Madalena, em nome de um suposto “predomínio masculino na liderança dos cristãos”. Os cineastas chegam a dizer que, até o século II, mulheres eram ordenadas, o que não tem base nenhuma (cf. A mulher e o sacramento da Ordem). Mais ainda: reparem que o filme menciona a “eliminação” dos Atos de Filipe no século II. Mas, logo depois, diz que este apócrifo é do século IV. Mais uma incoerência.
O segmento sobre Madalena chama a atenção também pelo completo desconhecimento do texto bíblico. Madalena costuma ser associada à mulher adúltera da famosa passagem da “primeira pedra”. Qualquer um sabe que, nos Evangelhos, Jesus impede que a adúltera seja apedrejada, pois ninguém atira a primeira pedra. No entanto, o documentário afirma que Jesus parou a lapidação! Uma dramatização inclusive mostra os judeus já atirando pedras na mulher, quando Jesus chega, faz o “deixa disso” e ampara a mulher ferida. Se os cineastas conseguem distorcer um episódio descrito com clareza nos Evangelhos, o que não farão quando entram no terreno da especulação e, por que não dizer, do chute?
No link http://www.uhl.ac/MariameAndMartha é possível encontrar um questionamento sobre se a inscrição grega na urna realmente significa “Mariamne Mara”.
O exame de DNA
Diz o documentário que nos ossuários foi possível recolher fragmentos que permitiam um exame de DNA. Foram usadas amostras de “Jesus filho de José” e de “Mariamne” para saber o que é que a suposta Maria Madalena estaria fazendo no “túmulo da família de Jesus”. Qualquer um que tenha ouvido falar de O Código Da Vinci sabe no que isso vai dar, mas vamos aos resultados.
Segundo o laboratório, não foi possível obter DNA nuclear dos fragmentos, mas apenas o DNA mitocondrial, transmitido apenas pela mãe. Os resultados não apontaram parentesco entre “Jesus filho de José” e “Mariamne”, e então vem o chute: diz que, se ambos estavam na mesma tumba, e não eram parentes, só podiam ser marido e mulher.
Mas vejamos: se o DNA usado nos testes foi o mitocondrial, os resultados só significam que “Mariamne” não é mãe de “Jesus filho de José”, ou que ambos não são filhos da mesma mãe. Mas ainda sobrariam outras hipóteses: eles poderiam ser filhos do mesmo pai, com mães diferentes; ou “Jesus filho de José” poderia ser pai de “Mariamne”; ou poderiam ser primos. Mas obviamente essa hipótese nem é levantada no documentário, já que o interesse é empurrar goela abaixo dos telespectadores que Jesus Cristo era casado com Madalena.
Podemos ir mais longe: por que, então, não foram feitos os mesmos testes para conferir se “Maria” era mesmo mãe de “Jesus filho de José”, ou para tentar estabelecer o que “Mateus” estaria fazendo ali, ou se os tais “irmãos de Jesus” eram mesmo irmãos? Jacobovici alega que nas outras urnas não havia material suficiente para coleta. Uma coincidência muito conveniente, não é mesmo?
Fraude ressuscitada
Há alguns anos, surgiu um ossuário que conteria os restos de “Tiago, filho de José, irmão de Jesus”. Essa descoberta causou um escândalo enorme na mídia, até se descobrir que se tratava de uma fraude (cf. Encontrado ossário de Tiago, irmão do Senhor?). Isso não impediu os cineastas de usar a tumba para seus propósitos, partindo do fato de que havia nove, e não dez, ossuários armazenados em Jerusalém – ou seja, um havia se perdido. A tese do documentário é a de que a urna perdida é justamente o ossuário de “Tiago, filho de José, irmão de Jesus” – descrito no documentário como líder dos cristãos após a morte de Jesus, quando qualquer verificação básica no Novo Testamento revela que essa liderança era, na verdade, de Pedro – Tiago Menor era bispo de Jerusalém.
Para comprovar a sua tese, os cineastas se valem de mais experiências: raspam a pátina (uma espécie de cobertura mineral que as urnas vão recebendo com o passar do tempo) dos ossuários de “Tiago”, “Mariamne” e outros ossuários escolhidos aleatoriamente no local de recolhimento das caixas, para saber se elas vêm do mesmo lugar. O documentário alega que as composições químicas das pátinas de “Tiago” e “Mariamne” batem, enquanto as outras, escolhidas aleatoriamente, não. Mas os gráficos são sobrepostos na tela em uma velocidade tão grande que o espectador só vai ter tempo de notar a maior das colunas, que mostra um elevado teor de cálcio e está presente em todos os ossuários (o que é óbvio já que as urnas são feitas de calcário). No entanto, uma observação mais atenta revela que, ao comparar os gráficos de “Tiago” e “Mariamne”, há diferença substancial em pelo menos duas das colunas maiores, que indicam maior presença de certos elementos químicos. Inclusive, há mais semelhanças entre “Mariamne” e uma das urnas escolhidas aleatoriamente do que entre “Mariamne” e “Tiago”. O documentário nem se preocupa em mostrar no que a pátina das outras caixas se difere das atribuídas a Talpiot.
O “filho de Jesus”
Um dos maiores desvarios do documentário fica para o fim: uma outra urna, mais ornamentada, é de uma criança e tem os dizeres “Judá, filho de Jesus”. Bem, para quem havia concluído anteriormente que Jesus e Maria Madalena eram casados, dizer que os dois tiveram um filho é conseqüência lógica do raciocínio.
Mas Cameron e Jacobovici não param por aí: dizem que, por Jesus ser um pretendente ao trono real, membro de um movimento anti-governo (outra idéia totalmente equivocada da dupla), seu filho seria visado pelas autoridades romanas – e acrescenta que alguns “irmãos de Jesus” sofreram morte violenta: Tiago, apedrejado; e Simão, crucificado (só lembrando que o Simão que os cineastas chamam de “irmão de Jesus” não é Simão Pedro – este sim, crucificado de cabeça para baixo em Roma; não existe nenhuma fonte sobre a suposta “crucifixão de Simão irmão de Jesus”).
Como o tal “filho de Jesus” precisaria ser escondido, o evangelista João teria recorrido a um recurso: o “discípulo que Jesus amava”, que a tradição sempre identificou como o próprio evangelista, seria na verdade o filho de Jesus com Maria Madalena! Mais ainda: ao pé da cruz, as palavras “mulher, eis aí teu filho” e “filho, eis aí tua mãe” na verdade se dirigiam a Maria Madalena e a “Judá filho de Jesus”... nem Dan Brown teve tanta criatividade!
Esta suposição dá mostras do tamanho da má-fé de Cameron e Jacobovici, já que no evangelho de São João fica claríssimo que Jesus está se dirigindo a Maria, sua mãe. Além disso, o “discípulo amado” estava presente na Última Ceia e, segundo os outros evangelistas, só os Doze estavam com Jesus nesse momento. E, considerando que Jesus só teve três anos de vida pública e morreu, segundo as tradições, aos 33 anos, a suposição de Cameron e Jacobovici exigiria que Jesus tivesse conhecido Madalena e se casado com ela antes de iniciar a vida pública. O tal “Judá” precisaria estar em uma idade compatível com o texto de João segundo o qual o “discípulo amado” levou Maria (Madalena, para os cineastas) para sua casa. Ou seja, não poderia ser apenas uma criança, nem mesmo um adolescente. Mas a urna de “Judá filho de Jesus” é de uma criança, diz o documentário... as contas simplesmente não batem.
Conclusão
O documentário O Sepulcro Esquecido de Jesus certamente causará ainda muita polêmica, mas uma análise mais atenta do filme revela que não passa de fogos de artifício: muitos exames de laboratório, muitos “especialistas” podem fazer o espectador incauto acreditar em tudo aquilo... mas o filme falha feio: não só pelos erros (às vezes grosseiros, como no caso da adúltera) que mostra, mas principalmente pelo que deixa de mostrar, como no caso dos exames de DNA que ficaram faltando.
Exemplos claros da má-fé de James Cameron e Simcha Jacobovici são as dramatizações que aparecem no meio do filme. Sim, há a crucifixão e outros episódios registrados nos Evangelhos, mas também há cenas da “vida familiar” de Jesus com Maria Madalena, e cenas do suposto filho de Jesus, inclusive ao pé da cruz. Os autores alegam que são apenas hipóteses; mas então por que dramatizar apenas uma possibilidade, e não todas elas? A escolha das encenações revela as intenções dos cineastas: é o que eles querem que nós aceitemos como verdade.
Na homilia da Ação Litúrgica realizada na Sexta-Feira Santa de 2006 na Basílica de São Pedro, na presença do Papa Bento XVI, o padre Raniero Cantalamessa disse que, enquanto Judas traiu Jesus por trinta moedas, hoje o Filho de Deus era vendido por bilhões (em referência ao livro O Código Da Vinci, que logo teria sua estréia como filme) (referência: http://www.zenit.org/english/visualizza.phtml?sid=87735). James Cameron e Simcha Jacobovici são o Dan Brown de 2007.
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Para citar este artigo:
CAMPOS, Marcio Antonio. Apostolado Veritatis Splendor: O SEPULCRO ESQUECIDO DE JESUS: UM ATAQUE MAL-FEITO À FÉ CRISTÃ. Disponível em http://www.veritatis.com.br/article/4208. Desde 23/03/2007.
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