quinta-feira, 31 de março de 2011

Beatificação de João Paulo II: mensagem da CNBB

Apresentamos a mensagem que CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) divulgou nesta sexta-feira, por ocasião da beatificação do Papa João Paulo II, que será realizada no dia 1º de maio.

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“Deus nos chamou à santidade” (1 Ts 4,7)

A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) dirige-se aos católicos e a todas as pessoas de boa vontade para manifestar sua alegria e gratidão a Deus pela beatificação do Servo de Deus, João Paulo II, no próximo dia primeiro de maio. O Papa João Paulo II amava muito o Brasil e visitou nosso País por três vezes. Entre nós, ele foi carinhosamente acolhido e aclamado como “João de Deus”.

A beatificação nos incentiva a aprofundar nossa vocação universal à santidade. Na sua primeira mensagem, ele convidou a todos: “abri as portas a Cristo Jesus!” Sua vida foi um testemunho eloquente de santidade, pela grande fé, amor à Eucaristia, devoção filial a Maria e pela prática do perdão incondicional. A Palavra de Deus foi por ele intensamente vivida e anunciada aos mais diferentes povos. A espiritualidade da cruz o acompanhou na experiência da orfandade e da pobreza, nas atrocidades da guerra e do regime comunista, mas principalmente no atentado sofrido na Praça de São Pedro. De maneira serena e edificante, suportou as incompreensões e oposições, as limitações da idade avançada e da doença.

O mundo inteiro foi edificado pelo seu empenho em favor da vida, da família e da paz, dos direitos humanos, da ecologia, do ecumenismo e do diálogo com as religiões. Revelou-se um grande líder mundial, um verdadeiro “pai” da família humana. Pediu várias vezes perdão pelas falhas históricas dos filhos da Igreja. Ele mesmo foi ao encontro do seu agressor, na prisão, oferecendo-lhe o perdão. Pela encíclica Dives in Misericordia e na instituição do “Domingo da Divina Misericórdia”, manifestou seu compromisso com a reconciliação da humanidade.

Foi um papa missionário. Numerosas viagens apostólicas marcaram seu pontificado e incentivaram, na Igreja, o ardor missionário e o diálogo com as culturas. No Grande Jubileu conclamou e encorajou a Igreja a entrar no terceiro milênio cristão, “lançando as redes em águas mais profundas”. Afirmou e promoveu a dignidade da mulher; ampliou o ensino Social da Igreja e confirmou que a promoção humana é parte integrante da evangelização. Valorizou os meios de comunicação social a serviço do Evangelho. A todos cativou pelo seu afeto e sensibilidade humana; crianças, jovens, pobres, doentes, encarcerados e trabalhadores foram seus preferidos.

O Papa João Paulo II estimulou, especialmente, as vocações sacerdotais, religiosas e missionárias. Aos sacerdotes dirigiu, todos os anos, na Quinta-Feira Santa, sua Mensagem pessoal. Leigos e consagrados foram valorizados e encorajados nos Sínodos a eles dedicados, para promover sua dignidade, vocação e missão na Igreja.

Convidamos, portanto, todo o povo a louvar e agradecer a Deus pela beatificação do Papa João Paulo II. “O Brasil precisa de santos”, proclamou ele na beatificação de Madre Paulina. Sensibilizados por essas palavras, confiamos à sua intercessão a santificação da Igreja e a paz no mundo. Fazemos votos de que seu testemunho e seus ensinamentos continuem a animar a grande família dos povos na construção de uma convivência justa, solidária e fraterna, sinal do Reino de Deus, entre nós.


Brasília, na Solenidade da Anunciação do Senhor,

25 de março de 2011
Dom Geraldo Lyrio Rocha
Arcebispo de Mariana
Presidente da CNBB

Dom Luiz Soares Vieira
Arcebispo de Manaus
Vice-Presidente da CNBB

Dom Dimas Lara Barbosa
Bispo Auxiliar do Rio de Janeiro
Secretário-Geral da CNBB

As duas faces do amor: ‘eros’ e ‘ágape’

Primeira pregação de Quaresma do padre Raniero Cantalamessa

Apresentamos a primeira pregação de Quaresma à Cúria Romana, realizada nesta sexta-feira, em presença do Papa, pelo padre Raniero Cantalamessa, OFMCap.

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Pe. Raniero Cantalamessa

Primeira prédica de Quaresma

AS DUAS FACES DO AMOR: EROS E ÁGAPE

1. As duas faces do amor

Com as prédicas desta Quaresma, eu gostaria de continuar o esforço, iniciado no Advento, de trazer uma pequena contribuição à reevangelização do Ocidente secularizado, que constitui nesta hora a preocupação principal de toda a Igreja e, em particular, do Santo Padre Bento XVI.

Há um âmbito em que a secularização age de maneira especialmente difusa e nefasta, e é o âmbito do amor. A secularização do amor consiste em separar o amor humano de Deus, em todas as formas desse amor, reduzindo-o a algo meramente “profano”, onde Deus sobra e até incomoda.

Mas o amor não é um assunto importante apenas para a evangelização, ou seja, para as relações com o mundo. Ele importa, antes de todo o mais, para a própria vida interna da Igreja, para a santificação dos seus membros. É nesta perspectiva que se situa a encíclica Deus caritas est, do Papa Bento XVI, e é nela que nós também nos colocamos para estas reflexões.

O amor sofre de uma separação nefasta não só na mentalidade do mundo secularizado, mas também, do lado oposto, entre os crentes e, em particular, entre as almas consagradas. Poderíamos formular a situação, simplificando ao máximo, assim: temos no mundo um eros sem ágape; e entre os crentes, temos frequentemente um ágape sem eros.

O eros sem ágape é um amor romântico, mas comumente passional, até violento. Um amor de conquista, que reduz fatalmente o outro a objeto do próprio prazer e ignora toda dimensão de sacrifício, de fidelidade e de doação de si. Não é preciso insistir na descrição desse amor, porque se trata de uma realidade que temos todo dia diante dos nossos olhos, propagandeada com estrondo pelos romances, filmes, novelas, internet, revistas. É o que a linguagem comum entende, hoje, com a palavra “amor”.

Para nós é mais útil entender o que significa ágape sem eros. Na música, existe uma diferenciação que pode nos ajudar a ter uma ideia: a diferença entre o jazz quente e o jazz frio. Eu li certa vez essa caracterização dos dois gêneros, mas sei que não é a única possível. O jazz quente (hot) é o jazz apaixonado, ardente, expressivo, feito de ímpetos, de sentimentos e, portanto, de improvisações originais. O jazz frio (cool) é o profissional: os sentimentos se tornam repetitivos, o estro é substituído pela técnica, a espontaneidade pelo virtuosismo.

Com base nessa distinção, o ágape sem eros é um “amor frio”, um amar parcial, sem a participação do ser inteiro, mais por imposição da vontade do que por ímpeto íntimo do coração. Um entrar num cenário predefinido, em vez de criar um próprio, realmente irrepetível, como irrepetível é cada ser humano perante Deus. Os atos de amor voltados para Deus parecem aqueles de namorados desinspirados, que escrevem à amada cartas copiadas de modelos prontos.

Se o amor mundano é um corpo sem alma, o amor religioso praticado assim é uma alma sem corpo. O ser humano não é um anjo, um espírito puro; é alma e corpo substancialmente unidos: tudo o que ele faz, amar inclusive, tem que refletir essa estrutura. Se o componente humano ligado ao tempo e à corporeidade é sistematicamente negado ou reprimido, a saída será dúplice: ou seguir adiante aos arrastos, por senso de dever, por defesa da própria imagem, ou ir atrás de compensações mais ou menos lícitas, chegando até os dolorosíssimos casos que estão afligindo atualmente a Igreja. No fundo de muitos desvios morais de almas consagradas, não é possível ignorá-lo: há uma concepção distorcida e retorcida do amor.

Temos, então, um duplo motivo e uma dupla urgência de redescobrir o amor na sua unidade original. O amor verdadeiro e integral é uma pérola encerrada entre duas conchas que são o eros e o ágape. Não podem ser separadas, essas duas dimensões do amor, sem destruí-lo, como o hidrogênio e o oxigênio não podem ser separados sem se privarem da água.

2. A tese da incompatibilidade entre os dois amores

A reconciliação mais importante entre as duas dimensões do amor é prática. É aquela que acontece na vida das pessoas, mas, para ser possível, ela precisa começar pela reconciliação entre o eros e o ágape inclusive teoricamente, na doutrina. Isto nos permitirá conhecer finalmente o que é que se entende por estes dois termos tão comumente usados e subentendidos.

A importância da questão nasce do fato de existir uma obra que popularizou em todo o mundo cristão a tese oposta da inconciliabilidade das duas formas de amor. É o livro do teólogo luterano sueco Anders Nygren, intitulado Eros e Ágape. Podemos resumir o pensamento dele nestes termos: eros e ágape designam dois movimentos opostos. O primeiro indica ascensão e subida do homem para Deus e para o divino como próprio bem e própria origem; o outro, o ágape, indica a descida de Deus até o homem com a encarnação e a cruz de Cristo, e, portanto, a salvação oferecida ao homem sem mérito nem resposta de sua parte, a não ser a fé e somente a fé. O Novo Testamento fez uma escolha precisa, usando, para exprimir o amor, o termo ágape, e refutando sistematicamente o termo eros.

Foi São Paulo quem recolheu e formulou com mais pureza essa doutrina do amor. Depois dele, ainda segundo a tese de Nygren, essa antítese radical se perdeu para dar lugar a tentativas de síntese. Assim que o cristianismo entra em contato cultural com o mundo grego e a visão platônica, já com Orígenes, há uma reavaliação do eros, como movimento ascensional da alma rumo ao bem e ao divino, como atração universal exercitada pela beleza e pelo divino. Nesta linha, o Pseudo Dionísio Areopagita escreverá que “Deus é eros” [1], substituindo com este termo o ágape da célebre frase de João (I Jo, 4,10).

No ocidente, uma síntese análoga foi feita por Agostinho com a doutrina da caritas, entendida como doutrina do amor descendente e gratuito de Deus pelo homem (ninguém falou da “graça” com mais força do que ele), mas também como anseio do homem pelo bem e por Deus. É dele a afirmação: “Fizeste-nos, Senhor, para ti, e inquieto está o nosso coração até descansar em ti” [2]. Também é dele a imagem do amor como um peso que atrai a alma, como por força de gravidade, para Deus, como ao lugar do próprio repouso e prazer [3]. Tudo isso, para Nygren, insere um elemento do amor de si, do próprio bem, e, portanto, de egoísmo, que destrói a pura gratuidade da graça; é uma recaída na ilusão pagã de fazer a salvação consistir numa ascensão a Deus, em vez de na gratuita e imotivada descida de Deus até nós.

Prisioneiros desta impossível síntese entre eros e ágape, entre amor de Deus e amor de si, são, para Nygren, São Bernardo, quando define o grau supremo do amor de Deus como um “amar a Deus por si mesmo” e um “amar a si mesmo por Deus” [4]; São Boaventura, com seu ascensional Itinerário da mente para Deus; e São Tomás de Aquino, que define o amor de Deus infuso no coração do batizado (cf. Rom, 5,5) como “o amor com que Deus nos ama e nos faz amá-lo” (amor quo ipse nos diligit et quo ipse nos dilectores sui facit) [5]. Isto viria a significar que o homem, amado por Deus, pode, por sua vez, amar a Deus, dar-lhe algo de seu, o que destruiria a absoluta gratuidade do amor de Deus. No plano existencial, ainda de acordo com Nygren, o mesmo desvio acontece na mística católica. O amor dos místicos, com a sua fortíssima carga de eros, nada é, para ele, senão amor sensual sublimado, uma tentativa de estabelecer com Deus uma relação de presunçosa reciprocidade em amor.

Quem rompeu a ambiguidade e devolveu à luz a pura antítese paulina, segundo o autor, foi Lutero. Fundamentando a justificação apenas na fé, ele não excluiu a caridade do momento-base da vida cristã, como o acusa a teologia católica; antes, libertou a caridade, o ágape, do elemento espúrio do eros. À fórmula do “somente a fé”, com exclusão das obras, corresponderia, em Lutero, a fórmula do “somente o ágape”, com exclusão do eros.

Não me cabe estabelecer se o autor interpretou corretamente neste ponto o pensamento de Lutero, que, deve-se dizer, nunca pôs o problema em termos de contraste entre eros e ágape como fez com fé e obras. É significativo, no entanto, que Karl Barth, num capítulo da sua Dogmática Eclesial, também chegue ao mesmo resultado que Nygren de um contraste insanável entre eros e ágape. “Onde entra em cena o amor cristão”, escreve ele, “começa de súbito o conflito com o outro amor, e este conflito não tem mais fim” [6]. Eu digo que se isto não é luteranismo, é sem dúvida teologia dialética, teologia do “aut-aut”, da antítese, não da síntese.

O contragolpe desta operação é a radical mundanização e secularização do eros. Enquanto certa teologia retirava o eros do ágape, a cultura secular era bem feliz, por sua vez, ao retirar o ágape do eros, ou seja, ao retirar do amor humano toda referência a Deus e à graça. Freud apresentou para isto uma justificativa teórica, reduzindo o amor a eros e o eros a libido, uma mera pulsão sexual que luta contra toda repressão e inibição. É o estágio a que se reduz hoje o amor em muitas manifestações da vida e da cultura, principalmente no mundo do espetáculo.

Dois anos atrás eu estava em Madri. Os jornais só faziam falar de uma certa mostra de arte na cidade, intitulada As lágrimas do eros. Era uma mostra de obras artísticas de cunho erótico – quadros, desenhos, esculturas – que pretendiam pôr em foco o inseparável vínculo que existe, na experiência do homem moderno, entre eros e thanatos, entre amor e morte. À mesma constatação se chega quando se lê a coletânea de poesias As flores do mal, de Baudelaire, ou Uma temporada no inferno, de Rimbaud. O amor que por natureza deveria levar à vida acaba ao invés levando à morte.

3. Retorno à síntese

Se não podemos mudar de uma vez a ideia de amor que o mundo possui, podemos, sim, corrigir a visão teológica, que, sem querer, a favorece e legitima. É o que fez de maneira exemplar o papa Bento XVI com a encíclica Deus caritas est. Ele reafirma a síntese católica tradicional expressando-a com os termos modernos. “Eros e ágape”, lemos ali, “amor ascendente e amor descendente, não se deixam jamais separar de todo um do outro [...]. A fé bíblica não constrói um mundo paralelo ou um mundo contraposto ao original fenômeno humano que é o amor, mas aceita o homem todo, intervindo na sua procura pelo amor para purificá-la, destruindo, em paralelo, novas dimensões suas” (7-8). Eros e ágape estão unidos à própria fonte do amor, que é Deus: “Ele ama”, segue o texto da encíclica, “e este seu amor pode ser qualificado certamente como eros, que, no entanto, é também e totalmente ágape” (9).

Entende-se o acolhimento insolitamente favorável que este documento pontifício encontrou mesmo nos ambientes leigos mais abertos e responsáveis. Dá esperança ao mundo. Corrige a imagem de uma fé que toca o mundo em tangente, sem penetrá-lo, com a imagem evangélica da levedura que faz a massa fermentar; substitui a ideia de um reino de Deus que veio julgar o mundo pela de um reino de Deus que veio salvar o mundo, começando pelo eros que é a sua força dominante.

À visão tradicional, própria tanto da teologia católica como da ortodoxa, pode-se dar, creio eu, uma confirmação também do ponto de vista da exegese. Quem sustenta a tese da incompatibilidade entre eros e ágape se baseia no fato de o Novo Testamento evitar com esmero – e, ao parecer, propositalmente – o termo eros, usando em seu lugar sempre e somente ágape (a não ser por algum raro emprego do termo philia, que indica um amor de amizade).

O fato é verdadeiro, mas não são verdadeiras as conclusões que dele se tiram. Supõe-se que os autores do NT estivessem a par tanto do sentido que o termo eros tinha na linguagem comum (o eros assim chamado “vulgar”) como do sentido elevado e filosófico que tinha, por exemplo, em Platão, o chamado eros “nobre”. Na aceitação popular, eros indicava mais ou menos o que indica hoje quando se fala de erotismo ou de filmes eróticos: a satisfação do instinto sexual, um degradar-se mais do que elevar-se. Na aceitação nobre, indicava um amor pela beleza, a força que mantém o mundo e que impulsiona todos os seres à unidade, aquele movimento de ascensão rumo ao divino que os teólogos dialéticos reputam incompatível com o movimento de descida do divino até o homem.

É difícil defender que os autores do NT, dirigindo-se a pessoas simples e de nenhuma cultura, pretendessem lhes falar do eros de Platão. Eles evitaram o termo eros pelo mesmo motivo que o pregador de hoje evita o termo erótico, ou, se o emprega, é somente em sentido negativo. O motivo é que, tanto naquele tempo como agora, a palavra evoca o amor na sua expressão mais egoísta e sensual [7]. A desconfiança dos primeiros cristãos quanto ao eros se agravava ainda pelo papel que ele desempenhava nos desenfreados cultos dionisíacos.

Tão logo o cristianismo entra em contato e diálogo com a cultura grega daquele tempo, cai por terra de imediato, como já vimos, toda preclusão quanto ao eros. Ele é usado com frequência, nos autores gregos, como sinônimo de ágape, e empregado para indicar o amor de Deus pelo homem, como também o amor do homem por Deus, o amor pelas virtudes e por tudo o que é belo. Basta, para nos convencermos disso, uma simples olhada no Léxico Patrístico Grego, de Lampe [8]. O sistema de Nygren e Barth, portanto, foi construído sobre uma falsa aplicação do assim chamado argumento “ex silentio”.

4. Um eros para os consagrados

O resgate do eros ajuda acima de tudo os enamorados humanos e os esposos cristãos, mostrando a beleza e a dignidade do amor que os une. Ajuda os jovens a experimentar o fascínio do outro sexo não como coisa turva, a ser vivida às costas de Deus, mas, ao contrário, como um dom do Criador para a sua alegria, desde que vivido na ordem querida por Ele. Na sua encíclica, o papa acena ainda para esta função positiva do eros sobre o amor humano quando fala do caminho de purificação do eros, que leva da atração momentânea ao “para sempre” do matrimônio (4-5).

Mas o resgate do eros deve ajudar também a nós, consagrados, homens e mulheres. Eu acenei no início ao perigo que as almas religiosas correm de um amor frio, que não desce da mente para o coração. Um sol de inverno, que ilumina, mas não aquece. Se eros significa ímpeto, desejo, atração, não devemos ter medo dos sentimentos, nem muito menos desprezá-los e reprimi-los. Quando se trata do amor de Deus, escreveu Guilherme de Saint Thierry, o sentimento de afeto (affectio) é também graça; a natureza não pode infundir um sentimento assim [9].

Os salmos estão cheios desse anseio do coração por Deus: “A ti, Senhor, eu elevo a minh’alma...”. “A minh’alma tem sede de Deus, do Deus vivente”. “Preste atenção”, diz o autor da Nuvem do não conhecimento, “a este maravilhoso trabalho da graça na tua alma. Ele não é senão impulso imprevisto, que surge sem aviso e aponta diretamente para Deus, como uma centelha que se desencarcera do fogo... Golpeie essa nuvem do não conhecimento com a flecha afiada do desejo de amor e não esmoreça, ocorra o que ocorrer” [10]. É suficiente, para tanto, um pensamento, um movimento do coração, uma jaculatória.

Mas tudo isso não nos é bastante e Deus o sabe melhor que nós. Somos criaturas, vivemos no tempo e num corpo; precisamos de uma tela na qual projetar o nosso amor que não seja apenas “a nuvem do não conhecimento”, o véu de escuridão por trás do qual se oculta o Deus que ninguém nunca viu e que habita numa luz inacessível...

A resposta que se dá a esta interrogação nós conhecemos bem: por isso mesmo Deus nos deu o próximo para amarmos. “Ninguém jamais viu a Deus; se amarmos uns aos outros, Deus permanece em nós e o seu amor se torna perfeito em nós. Quem não ama o próprio irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê” (1 Jo 4, 12-20). Mas devemos ficar atentos para não saltar uma fase decisiva: antes do irmão que vemos, há outro que também vemos e tocamos: o Deus feito carne, Jesus Cristo! Entre Deus e o próximo existe o Verbo feito carne, que reuniu os dois extremos numa só pessoa. É nele que o próprio amor ao próximo encontra o seu fundamento: “Foi a mim que o fizestes”.

O que significa tudo isto pelo amor de Deus? Que o objeto primário no nosso eros, da nossa busca, desejo, atração, paixão, deve ser o Cristo. “Ao Salvador é pré-ordenado o amor humano desde o princípio, como ao seu modelo e fim, como uma urna tão grande e tão ampla que pudesse acolher a Deus [...] O desejo da alma é unicamente de Cristo. Aqui é o lugar do seu repouso, porque só Ele é o bem, a verdade e tudo quanto inspira amor”. Não quer dizer restringir o horizonte do amor cristão de Deus a Cristo; quer dizer amar a Deus do jeito que Ele quer ser amado. “O Pai vos ama porque vós me amais” (Jo 16, 27). Não se trata de um amor mediato, quase por procuração, por meio do qual quem ama Jesus “é como se” amasse o Pai. Não. Jesus é um mediador imediato; amando a Ele, amamos, ipso facto, o Pai. “Quem me vê, vê o Pai”; quem me ama, ama o Pai.

É verdade que nem mesmo a Cristo se vê, mas ele existe. Ressuscitou, vive, está conosco, de modo mais real do que o mais apaixonado esposo está com a esposa. Eis o ponto crucial: pensar em Cristo não como uma pessoa do passado, mas como o Senhor ressuscitado e vivente, com quem eu posso falar, a quem eu posso beijar se quiser, certo de que o meu beijo não termina na estampa ou no lenho de um crucifixo, mas num rosto e em lábios de carne viva (ainda que espiritualizada), felizes de receber o meu beijo.

A beleza e a plenitude da vida consagrada depende da qualidade do nosso amor por Cristo. É só o que pode nos defender dos altos e baixos do coração. Jesus é o homem perfeito; nele se encontram, em grau infinitamente superior, todas aquelas qualidades e atenções que um homem procura numa mulher e uma mulher no homem. O amor dele não nos elimina necessariamente a sedução das criaturas e, em particular, a atração do outro sexo (ela faz parte da nossa natureza, que Ele criou e não quer destruir). Mas nos dá a força para vencer essas atrações com uma atração mais forte. “Casto”, escreve São João Clímaco, “é quem afasta o eros com o Eros” [11].

Será que tudo isso destrói a gratuidade do ágape, pretendendo dar a Deus alguma coisa em troca do seu coração? Anula a graça? De jeito nenhum. Antes, a exalta. O que, afinal, neste mundo, damos a Deus se não o que recebemos dele? “Nós amamos porque Ele nos amou primeiro” (1 Jo 4, 19). O amor que damos a Cristo é o seu próprio amor por nós, que devolvemos a Ele, como o eco nos devolve a nossa voz.

Onde está então a novidade e a beleza deste amor que chamamos eros? O eco reenvia para Deus o seu próprio amor, mas enriquecido, colorido e perfumado com a nossa liberdade. E é tudo o que Ele quer. A nossa liberdade lhe paga tudo. E não só isto, mas, coisa inaudita, escreve Cabasilas, “recebendo de nós o dom do amor em troca de tudo o que Ele nos deu, Ele ainda se reputa nosso devedor” [12]. A tese que contrapõe eros e ágape se baseia em outra conhecida contraposição: a contraposição entre graça e liberdade, e, mais ainda, na negação da liberdade no homem decaído.

Eu procurei imaginar, Veneráveis padres e irmãos, o que diria Cristo ressuscitado se, como fazia na vida terrena, quando entrava aos sábados numa sinagoga, viesse agora sentar-se aqui, no meu lugar, e nos explicasse em pessoa qual é o amor que Ele deseja de nós. Quero compartilhar com vocês, com simplicidade, o que eu penso que Ele diria. Pode nos servir para o nosso exame de consciência sobre o amor:

O amor ardente:

É me colocares sempre em primeiro lugar.

É procurares me alegrar em todo momento.

É confrontares teus desejos com o meu desejo.

É viveres como meu amigo, confidente, esposo, e seres feliz assim.

É te inquietares ao pensamento de ficar um pouco longe de mim.

É seres repleto de felicidade quando estou contigo.

É estares disposto a grandes sacrifícios para nunca me perder.

É preferires viver pobre e desconhecido comigo a rico e famoso sem mim.

É falares comigo como ao amigo mais amado em todo momento possível.

É te confiares a mim olhando para o teu futuro.

É desejares perder-te em mim como meta do teu existir.

Se vocês acharem, como eu acho, que estamos muito longe dessa situação, não nos desencorajemos. Temos alguém que pode nos ajudar a chegar lá se pedirmos sua ajuda. Repitamos com fé ao Espírito Santo: Veni, Sancte Spiritus, reple tuorum corda fidelium et tui amoris in eis ignem accende: Vinde, Espírito Santo, enchei os corações dos vossos fiéis e acendei neles o fogo do vosso amor.

Notas:

1 Pseudo Dionísio Areopagita, Os nomes divinos, IV,12 (PG, 3, 709 em diante.)

2 S. Agostinho, Confissões I, 1.

3 Comentário ao evangelho de João, 26, 4-5.

4 Cf. S. Bernardo, De diligendo Deo, IX,26 –X,27.

5 S. Tomás de Aquino, Comentário à Carta aos Romanos, cap. V, liç.1, n. 392-293; cf. S. Agostinho, Comentário à Primeira Carta de João, 9, 9.

6 K. Barth, Dogmática eclesial, IV, 2, 832-852.

7 O sentido que os primeiros cristãos davam à palavra eros se deduz do famoso texto de S. Inácio de Antioquia, Carta aos Romanos, 7,2: “O meu amor (eros) foi crucificado e não há em mim fogo de paixão…não me atraem o nutrir corrupção e os prazeres desta vida”. “O meu eros” não indica aqui Jesus crucificado, mas “o amor de mim mesmo” , o apego aos prazeres terrenos, na linha do paulino “Fui crucificado com Cristo, não sou mais eu que vivo” (Gal 2, 19 s.).

8 Cf. G.W.H. Lampe, A Patristic Greek Lexicon, Oxford 1961, pp.550.

9 Guilherme de St. Thierry, Meditações, XII, 29 (SCh 324, p. 210).

10 Anônimo, A nuvem do nao conhecimento, trad. Italiana, Ed. Áncora, Milão, 1981, pp. 136.140.

11 S. João Clímaco, A escada do paraíso, XV,98 (PG 88,880).

12 N. Cabasilas, Vida em Cristo, VI, 4 .

[Traduzido do original em italiano por ZENIT]

FIAMC: ginecologistas católicos são autênticos heróis

Congresso em Roma sobre dignidade da maternidade

A Federação Internacional de Médicos Católicos (FIAMC) convocou um congresso em Roma sobre a dignidade da maternidade e dos ginecologistas, que será realizado no Instituto ‘Maria SS. Bambina', de 31 de agosto a 4 de setembro próximos.

Este congresso, o 8º dos ginecologistas católicos, é organizado pela ‘MaterCare International', uma organização pertencente à FIAMC, e tem o apoio do Conselho Pontifício para a Pastoral no Campo da Saúde e da Academia Pontifícia para a Vida.

O objetivo do evento é, por um lado, salientar o valor da maternidade e, por outro, o papel insubstituível de ginecologistas e profissionais de saúde em sua defesa.

O presidente da FIAMC, o médico espanhol José María Simón Castellví, disse a ZENIT que as prioridades dos médicos católicos "são a proteção da vida humana desde a concepção até à morte natural, a proteção da fertilidade (os filhos são um grande bem), o incentivo de uma antropologia saudável entre os esposos e o cuidado da saúde de mães e filhos".

Na apresentação do congresso, os ginecologistas católicos foram considerados um "sinal de contradição no mundo da cultura da morte".

"Os ginecologistas católicos são autênticos heróis hoje. Eles estão sob grande pressão. Infelizmente, em muitos países ‘civilizados', é impossível formar-se como ginecologista sem realizar abortos", destacou o médico espanhol.

"Infelizmente, existem grupos e inclusive organismos públicos internacionais que, em vez de incentivar estes bens, estão empenhados em eliminar inocentes no ventre materno, com desculpas que não se sustentam a partir da Medicina e que combatem a fertilidade como se o filho fosse um inseto."

O problema do Ocidente, disse o médico, é "ver a fertilidade como um perigo para a saúde pessoal ou social. E não é".

"Nos países desenvolvidos, é necessário um esforço cultural e espiritual para ver as relações conjugais e os filhos com um grande dom que Deus nos dá", acrescentou.

Atualmente, disse ele, os principais desafios enfrentados pelos ginecologistas católicos é a regulação natural da fertilidade, a proteção da maternidade e o serviço intenso, mas que não substitui os esposos que são inférteis.

Mães no Terceiro Mundo

Uma das principais preocupações da FIAMC, e da ‘MaterCare' particularmente - afirmou o Dr. Simon -, é que, no Terceiro Mundo, "as mães são insuficiente ou inadequadamente atendidas no âmbito da saúde".

"Falta de tudo, começando pela equipe especializada - explicou. No Terceiro Mundo, é preciso ter maternidades, e nós as estamos construindo. Agora estamos construindo uma em Isiolo, no Quênia."

Para o presidente da FIAMC, um dos primeiros objetivos é reduzir a mortalidade materna: "A cada dia, 1.500 mulheres morrem no mundo, muitas vezes sozinhas, em países pobres. Não podemos permitir isso".

"A Medicina tem hoje todas as ferramentas para ajudar mães e filhos, sem destruir nada nem ninguém. Talvez hoje, no Ocidente, não vejamos o filho como um bem para sempre. Cada ser humano é para sempre."


Mais informações: www.fiamc.org

Bento XVI: que o Senhor nos torne humildes como São José

Como conclusão dos Exercícios Espirituais de Quaresma

O Senhor nos torne humildes como São José: este foi o desejo que o Papa Bento XVI manifestou no passado sábado, na meditação com a qual concluiu, no Vaticano, os Exercícios Espirituais de Quaresma, junto a seus colaboradores da Cúria Romana. Iniciados em 13 de março e pregados pelo Pe. François-Marie Léthel, seu tema foi "A luz de Cristo no coração da Igreja. João Paulo II e a Teologia dos Santos".

Em seu discurso de agradecimento ao carmelita descalço, prelado secretário da Academia Pontifícia de Teologia, Bento XVI refletiu, no dia de seu aniversário, sobre a figura de São José, protetor da Sagrada Família e padroeiro da Igreja universal.

"Um santo humilde - recordou o Papa -, um trabalhador humilde, que foi considerado digno de ser guardião do Redentor. São Mateus define São José com uma palavra: ‘Era um justo'. 'Justo' é o homem que está imerso na Palavra de Deus, que vive na Palavra de Deus, que não vive a Lei como um ‘jugo', mas como ‘alegria'; vive, podemos dizer, a lei como 'Evangelho'."

São José, continuou o Santo Padre, "estava imerso na Palavra de Deus, escrita, transmitida na sabedoria de seu povo"; e assim "foi preparado e chamado para conhecer a Palavra encarnada".

"Nós nos confiamos à sua proteção, rezamos para nos ajude no nosso humilde serviço - concluiu. Vamos em frente com coragem, sob esta proteção. Agradecidos pelos santos humildes, rezemos ao Senhor para que nos torne humildes em nossos serviços e, dessa maneira, santos na companhia dos Santos."

Em uma carta de agradecimento ao Pe. Léthel, o Papa recordou o caminho espiritual inspirado no testemunho de João Paulo II, que será declarado beato em 1º de maio próximo, no domingo da oitava da Páscoa, festa da Divina Misericórdia.

Em particular, o Santo Padre sublinhou que as meditações quaresmais servem para aprofundar no encontro com "as figuras vivas de alguns santos e santas, como estrelas luminosas que giram em torno do Sol que é Cristo, Luz do mundo".

"Com esta abordagem - escreveu o Papa -, o senhor se ajustou muito bem ao programa catequético desenvolvido por mim ao longo destes anos nas audiências gerais, a fim de melhor conhecer melhor e amar a Igreja, como se vê na vida, nas obras e nos ensinamentos dos santos."

"Esta linha de reflexão e de contemplação do mistério de Cristo, refletido, de alguma forma, na existência de seus mais fiéis imitadores, é um elemento fundamental que herdei do Papa João Paulo II e que continuei com plena convicção e com grande alegria, observou.

"Este curso de Exercícios nos fez sentir a Igreja, mais do que nunca, como comunhão dos santos", concluiu o Pontífice.

quinta-feira, 24 de março de 2011

O caminho batismal da Quaresma

Veja, neste texto da seção Formação, o texto de um pronunciamento do papa Bento XVI sobre o período da Quaresma.


Queridos irmãos e irmãs:

Marcados pelo austero símbolo das Cinzas, entramos no tempo da Quaresma, iniciando o itinerário espiritual que nos prepara para celebrar dignamente os mistérios pascais. As cinzas abençoadas, impostas sobre a nossa cabeça, são um sinal que nos recorda nossa condição de criaturas, convida-nos à penitência e a intensificar os esforços de conversão de para seguir cada vez mais o Senhor.

A Quaresma é um caminho, é acompanhar Jesus que sobe a Jerusalém, lugar do cumprimento do seu mistério de paixão, morte e ressurreição; ela nos recorda que a vida cristã é um "caminho" a ser percorrido, que consiste não tanto em uma lei a ser observada, mas na própria pessoa de Cristo, a quem vamos encontrar, acolher, seguir. Jesus, de fato, fala: "Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz, cada dia, e siga-me" (Lc 9,23).

Em outras palavras, diz-nos que, para chegar com Ele à luz e à alegria da ressurreição, à vitória da vida, do amor, do bem, também nós devemos carregar a cruz de cada dia, como nos exorta uma bela página da "Imitação de Cristo": "Toma, pois, a tua cruz, segue a Jesus e entrarás na vida eterna. O Senhor foi adiante, com a cruz às costas, e nela morreu por teu amor, para que tu também leves a tua cruz e nela desejes morrer. Porquanto, se com Ele morreres, também com Ele viverás. E, se fores seu companheiro na pena, também o serás na glória" (L. 2, c. 12, n. 2).

Na Santa Missa do 1º Domingo da Quaresma, rezamos: "Concedei-nos, ó Deus onipotente, que, ao longo desta Quaresma, possamos progredir no conhecimento de Jesus Cristo e corresponder a seu amor por uma vida santa" (Coleta). É uma invocação que dirigimos a Deus porque sabemos que só Ele pode converter o nosso coração. E é sobretudo na liturgia, na participação dos santos mistérios, que somos levados a percorrer este caminho com o Senhor; é um colocar-nos na escola de Jesus, percorrer os acontecimentos que nos trouxeram a salvação, mas não como uma simples comemoração, uma lembrança de fatos passados. Nas ações litúrgicas, Cristo se faz presente através da obra do Espírito Santo, e esses acontecimentos salvíficos se tornam atuais. Há uma palavra-chave muitas vezes usada na liturgia para indicar isso: a palavra "hoje"; e esta deve ser entendida no sentido original, não metafórico. Hoje, Deus revela a sua lei e nos permite escolher hoje entre o bem e o mal, entre vida e a morte (cf. Dt 30, 19); hoje, "o Reino de Deus está próximo. Arrependei-vos e crede no Evangelho" (Mc 1,15); hoje, Cristo morreu no Calvário e ressuscitou dos mortos; subiu ao céu e está sentado à direita do Pai; hoje, recebemos o Espírito Santo; hoje é o tempo favorável. Participar da liturgia significa, então, submergir a própria vida no mistério de Cristo, na sua presença permanente, percorrer um caminho pelo qual entramos em sua morte e ressurreição para ter a vida.

Nos domingos da Quaresma, de forma muito particular neste ano litúrgico do ciclo A, somos introduzidos a viver um itinerário batismal, percorrendo quase o caminho dos catecúmenos, daqueles que se preparam para receber o Batismo, para reavivar em nós este dom e fazê-lo de maneira que nossas vidas recuperem as exigências e os compromissos deste Sacramento, que está na base da nossa vida cristã. Na mensagem que enviei para esta Quaresma, eu quis recordar o nexo particular que une tempo quaresmal ao Batismo. A Igreja sempre associou a Vigília Pascal à celebração do Batismo, passo a passo: nele, realiza-se esse grande mistério pelo qual o homem, morto para o pecado, torna-se partícipe da vida nova em Cristo ressuscitado e recebe o Espírito de Deus, que ressuscitou Jesus dos mortos (cf. Rm 8, 11).

As leituras que escutamos e escutaremos nos próximos domingos - e às quais vos convido a prestar uma atenção especial - são tomadas precisamente da tradição antiga, que acompanha o catecúmeno na descoberta do Batismo: são o grande anúncio do que Deus faz neste sacramento, uma magnífica catequese batismal dirigida a cada um de nós.

No 1º Domingo, chamado "Domingo da tentação", pois apresenta as tentações de Jesus no deserto, convida-nos a renovar nossa decisão definitiva por Deus e a enfrentar com coragem a luta que nos espera para permanecermos fiéis a Ele. Está sempre presente esta necessidade da decisão, de resistir ao mal, de seguir Jesus. Neste Domingo, a Igreja, após ter ouvido o testemunho dos padrinhos e catequistas, celebra a escolha daqueles que serão admitidos aos Sacramentos Pascais.

O 2º Domingo é chamado "de Abraão e da Transfiguração". O Batismo é o sacramento da fé e da filiação divina; como Abraão, pai dos crentes, também nós somos convidados a partir, a sair da nossa terra, a deixar as seguranças que construímos para colocar nossa confiança novamente em Deus; a meta pode ser vislumbrada na transfiguração de Cristo, o Filho amado, em quem também nós nos tornamos "filhos de Deus".

Nos domingos sucessivos, apresenta-se o Batismo nas imagens da água, da luz e da vida. O 3º Domingo nos faz encontrar a Samaritana (cf. Jo 4, 5-42). Como Israel no Êxodo, também nós, no Batismo, recebemos a água que salva; Jesus, como diz à Samaritana, tem uma água da vida, que sacia toda sede; e esta água é seu próprio Espírito. A Igreja, neste Domingo, marca o primeiro escrutínio dos catecúmenos e, durante a semana, entrega-lhes o Símbolo: a Profissão da fé, o Credo.

O 4º Domingo nos faz refletir sobre a experiência do "cego de nascimento" (cf. Jo 9,1-41). No Batismo, somos libertados das trevas do mal e recebemos a luz de Cristo para viver como filhos da luz. Também nós devemos aprender a ver a presença de Deus no rosto de Cristo e, assim, a luz. No caminho dos catecúmenos, celebra-se o segundo escrutínio.

Finalmente, o 5º Domingo nos apresenta a ressurreição de Lázaro (cf. Jo 11,1-45). No Batismo, passamos da morte à vida e nos tornamos capazes de agradar Deus, de fazer o homem velho morrer, para viver do Espírito do Ressuscitado. Para os catecúmenos, celebra-se o terceiro escrutínio, e durante a semana recebem a Oração do Senhor, o Pai Nosso.

Este itinerário que somos convidados a percorrer na Quaresma é caracterizado, na tradição da Igreja, por algumas práticas: o jejum, a esmola e a oração. Jejuar significa abster-se de comida, mas inclui outras formas de privação que visam a uma vida mais sóbria. Tudo isso não é ainda a realidade plena do jejum: é o sinal exterior de uma realidade interior, do nosso compromisso, com a ajuda de Deus, de abster-nos do mal e de viver o Evangelho. Não jejua de verdade quem não sabe se nutrir da Palavra de Deus.

O jejum, na tradição cristã, está intimamente ligado à esmola. São Leão Magno ensinou, em um de seus discursos sobre a Quaresma: "Aquilo que todo cristão faz sempre, deve agora praticar com maior dedicação e devoção, para cumprir a norma apostólica do jejum quaresmal, que envolve a abstinência não apenas da comida, mas sobretudo a abstinência dos pecados. A este obrigado e santo jejum, não se pode acrescentar um trabalho mais útil do que a esmola, que, sob a denominação única de ‘misericórdia', inclui muitas obras boas. Imenso é o campo de obras de misericórdia. Não só os ricos e abastados podem beneficiar os outros com a esmola; também os de condição modesta ou pobre. Assim, apesar de desiguais nos bens, todos podem ser iguais aos sentimentos de piedade da alma" (Discurso 6 sobre a Quaresma, 2:PL 54, 286). São Gregório Magno lembrou, em sua "Regra Pastoral", que o jejum é santo pelas virtudes que o acompanham, principalmente pela caridade, por cada gesto de generosidade, que dá aos pobres e necessitados o fruto de nossa privação (cf. 19,10-11).

A Quaresma é também um momento privilegiado para a oração. Santo Agostinho diz que o jejum e a esmola são "as duas asas da oração", que lhe permitem ganhar maior impulso e chegar a Deus. Ele afirma: "Assim, nossa oração, feita com humildade e caridade, no jejum e na esmola, na temperança e no perdão das ofensas, dando coisas boas e não retornando as más, afastando-se do mal e fazendo o bem, busca a paz e a alcança. Com as asas dessas virtudes, nossa oração voa segura e é levada com mais segurança até o céu, onde Cristo, nossa paz, nos precedeu" (Sermão 206, 3 sobre a Quaresma: PL 38,1042).

A Igreja sabe que, pela nossa fraqueza, é muito fatigante fazer silêncio para colocar-se diante de Deus e tomar consciência da nossa condição de criaturas que dependem d'Ele e de pecadores que precisam do seu amor; por isso, na Quaresma, ela nos convida a uma oração mais fiel e intensa, e a uma meditação prolongada sobre a Palavra de Deus. São João Crisóstomo nos exorta: "Embeleza tua casa com modéstia e humildade, através da prática da oração. Torna tua casa esplêndida com a luz da justiça; adorna suas paredes com as boas obras, como se fossem pátina de ouro puro e, em vez de muros e de pedras preciosas, coloca a fé e a sobrenatural magnanimidade, pondo sobre todas as coisas, na parte superior do frontão, a oração como decoração de todo o complexo. Assim, preparas para o Senhor uma morada digna, assim o acolhes em um esplêndido palácio. Ele te concederá transformar tua alma no templo da sua presença" (Homilia 6 sobre a Oração: PG 64, 466).

Queridos amigos, neste caminho quaresmal, fiquemos atentos para acolher o convite de Cristo a segui-lo de maneira mais determinada e coerente, renovando a graça e os compromissos do nosso Batismo, para abandonar o homem velho que está em nós e revestir-nos de Cristo, para, renovados, chegar à Páscoa e poder dizer com São Paulo: "Eu vivo, mas não eu: é Cristo que vive em mim" (Gl 2, 20). Bom caminho quaresmal a todos vós! Obrigado!

Fonte: ZENIT

O Princípio da Partilha

Sentimos que este princípio pode trazer muitas bênçãos para todos nós, mas principalmente para aqueles que estão enfrentando dificuldades em suas vidas. Em 2008, enfrentávamos grande dificuldade financeira no Escritório Nacional, sem recursos para financiar as missões e nem para cobrir as despesas mensais. Então rezamos com Márcio Zolin, diretor executivo do Escritório, e o Senhor nos deu uma palavra, Isaías 45,1-3: “Eis o que diz o Senhor a Ciro, seu ungido, que ele levou pela mão para derrubar as nações diante dele, para desatar o cinto dos reis, para abrir-lhe as portas, a fim de que nenhuma lhe fique fechada: ‘Irei eu mesmo diante de ti, aplainando as montanhas, arrebentando os batentes de bronze, arrancando os ferrolhos de ferro. Dar-te-ei os tesouros enterrados e as riquezas escondidas, para mostrar-te que sou eu o Senhor, aquele que te chama pelo teu nome, o Deus de Israel’”.


Esta palavra alimentou a fé e fortaleceu o ânimo de Márcio. Naquela mesma noite, ele teve a visão de todo o projeto “Eu Amo a RCC”, que gerou tantos recursos para a Renovação. O mais interessante deste projeto é que todos os recursos gerados pelos carnês teriam que ser partilhados com os escritórios estaduais, sendo criado também um fundo de reserva para estados e dioceses endividados. Começava aí algo que se tornou para nós um verdadeiro princípio, ou seja, partilhar tudo que recebemos. A moção era retidão e santidade nas intenções e ações, fazendo tudo com o coração agradecido e partilhando com os outros todos os bens que temos. Tudo começou a crescer e a prosperar.

Após ganharmos o terreno para construir a nossa Sede Nacional e logo quando começamos as construções, o Senhor nos direcionou com a Palavra, no livro de Neemias, mostrando-nos que para construir obra tão grande como essa teríamos que iniciar uma reconstrução espiritual em torno da unidade. Recebemos também a passagem de Atos 4, 32: “A multidão dos fiéis era um só coração e uma só alma. Ninguém dizia que eram suas as coisas que possuía, mas tudo entre eles era comum”. Entendemos, mais uma vez, que teríamos que partilhar os recursos que arrecadássemos. Na última reunião do Conselho Nacional ficou definido como faremos a partilha com os estados e dioceses.

No trecho de 2Cor 9, 7, nós lemos: “Deus ama o que dá com alegria”. A moção para nós é partilharmos além dos nossos recursos materiais, partilharmos o nosso tempo, os dons que temos: a fé e, principalmente, partilhar o bem que recebemos de poder participar de um Grupo de Oração. O Grupo de Oração é como o coração e o pulmão da Renovação Carismática. No ano de 2007, quando celebrávamos os nossos quarenta anos de Renovação no mundo, recebemos durante o Encontro Nacional de Formação, em Brasília, uma palavra forte de libertação que está na passagem de Ap 3, 7-8: “Eis o que diz o Santo e o Verdadeiro, aquele que tem a chave de Davi – que abre e ninguém pode fechar; que fecha e ninguém pode abrir. Conheço as tuas obras: eu pus diante de ti uma porta aberta, que ninguém pode fechar; porque apesar de tua fraqueza, guardaste a minha palavra e não renegaste o meu nome”.

No Congresso Nacional daquele ano, em Cachoeira Paulista, recebemos a seguinte profecia: “Escutai povo meu, escutai meus filhos e filhas, se vocês se deixassem conduzir pela sabedoria do meu Espírito jamais se afastariam de seus Grupos de Oração. Pois Eu quero lhes revelar, com toda a minha autoridade, com toda a minha misericórdia, que o Grupo de Oração, o qual muitos de vocês têm abandonado, ou desvalorizado, é nada mais que o meu coração, e é no meu coração que cada um de vocês está gravado eternamente. Por isso, Eu mesmo, o Senhor, lhes declaro e lhes peço: retornem depressa ao meu coração, as portas se abrem. Entrem, entrem e sejam profetas no meu coração. O meu coração se abre para vocês, e o meu coração é cada grupo espalhado nesta nação”.

Neste mesmo Congresso recebemos outra profecia que está se cumprindo agora, no ano em que os Grupos de Oração se organizam para sair em missão: “Eu derramo sobre vós uma nova unção do meu Espírito. Eu vos liberto do desânimo, da frieza espiritual e lhes dou uma nova unção do meu Espírito. Eu faço arder em vossos corações o espírito missionário. Eu renovo a alegria e o amor em vossos grupos de oração. E vos chamo para um tempo novo. Portas novas de missão se abrirão para vós, desde que sejais dóceis ao meu Espírito. Eu inauguro no meio de vós, a partir deste momento, um tempo novo, um tempo de bênção, um tempo de graça, onde o meu Espírito se moverá com poder para renovar a face da terra”.

Encerro voltando à nossa palavra rhema para este ano: “Por causa de tua palavra lançaremos as redes”. Deus não quer que desistamos de nossos sonhos de implantar a cultura de Pentecostes no mundo, sonho de ver toda a nossa família salva, sonho de ver a verdade se abraçando com a justiça, sonho de ver o Reino de Deus acontecendo na nossa vida e ao redor de nós. Por isso, porque nos quer sonhando nos deu uma profecia e um sinal. O sinal é que, sem que houvesse um planejamento para isso, a primeira construção erigida no terreno da Sede foi a cruz.

A profecia é a seguinte: “Erguei a minha cruz sobre os vossos sonhos, a minha cruz que representou a derrota dos sonhos daqueles que pensaram que Eu iria restaurar imediatamente o reino de Israel, que ao me verem morrer na cruz viram morrer também o seu sonho de libertação das mãos do opressor. Estes não entenderam que Eu os libertei sim do verdadeiro opressor. Quando erguerdes a minha cruz sobre os vossos sonhos, o meu sangue lavará e restaurará corações desapontados e descrentes por terem visto tantos de seus sonhos ruírem. Eu lavarei as feridas da mágoa e desapontamento e tristeza profunda no meu sangue redentor. Eu resgatarei a verdade e cortarei e cancelarei toda a ilusão e mentira a respeito da felicidade. Eu realizarei cura profunda em vosso interior para que volteis a crer e a sonhar. Eu lavarei no meu sangue a vossa visão para que possais ver os bens futuros que lhes preparei. Lavarei também no meu sangue todos os envolvidos, todas as pessoas e circunstâncias das quais dependeis para realizardes vossos sonhos. Eu vos libertarei das amarras da descrença, do fracasso, das palavras de maldição, do fatalismo e vos deixarei livres para sonhar, sem traumas, sem medos, sem nada que vos prenda”.

A confirmação veio na Palavra, em Lucas 1, 36-37.45: “Porque a Deus nenhuma coisa é impossível. Bem aventurada és tu que creste, pois se hão de cumprir as coisas que da parte do Senhor te foram ditas”.

Maria Beatriz Spier Vargas
Secretária-geral do Conselho Nacional da RCCBRASIL

Bento XVI: eclipse do pecado, eclipse de Deus

Intervenção por ocasião do Ângelus
Apresentamos as palavras que Bento XVI pronunciou hoje, antes de rezar o Ângelus com milhares de peregrinos reunidos na Praça de São Pedro, no Vaticano.

* * *

Queridos irmãos e irmãs:

Hoje é o primeiro domingo da Quaresma, tempo litúrgico de quarenta dias que constitui, na Igreja, uma jornada espiritual de preparação para a Páscoa. Trata-se, em suma, de seguir Jesus, que se dirige decididamente até a cruz, ponto culminante de sua missão de salvação. Se nos perguntarmos: por que a Quaresma? Por que a cruz?, a resposta, em termos radicais, é esta: porque existe o mal, e mais ainda, o pecado, que, de acordo com as Escrituras, é a raiz de todo mal. Mas esta afirmação não é algo que pode ser dado por certo, e a própria palavra "pecado" não é aceita por muitos, porque pressupõe uma visão religiosa do mundo e do homem. De fato, é verdade: quando se elimina Deus do horizonte do mundo, não se pode falar de pecado. Da mesma maneira que, quando o sol se esconde, desaparecem as sombras - a sombra só aparece quando há sol -, assim, o eclipse de Deus comporta necessariamente o eclipse do pecado. Por esta razão, o sentido do pecado - que é algo diferente do "sentimento de culpa", como é entendido pela psicologia - é adquirido redescobrindo o sentido de Deus. Isso se expressa no salmo Miserere, atribuído ao rei Davi por ocasião do seu duplo pecado de adultério e assassinato: "Contra vós - diz Davi, dirigindo-se a Deus -, só contra vós pequei" (Salmo 51,6).

Diante do mal moral, a atitude de Deus é opor-se ao pecado e salvar o pecador. Deus não tolera o mal, pois é Amor, Justiça, Fidelidade; e precisamente por esta razão, não quer a morte do pecador, mas que se converta e viva. Para salvar a humanidade, Deus intervém: nós o vemos na história do povo judeu, a partir da libertação do Egito. Deus está determinado a libertar seus filhos da escravidão para conduzi-los à liberdade. E a escravidão mais severa e profunda é precisamente a do pecado. Por este motivo, Deus enviou seu Filho ao mundo: para libertar os homens do domínio de Satanás, "origem e causa de todo pecado". Enviou-o à nossa carne mortal para se tornar vítima de expiação, morrendo por nós na cruz. Contra este plano de salvação definitiva e universal, o Diabo se opôs com toda sua força, como evidenciado em particular pelo Evangelho das tentações de Jesus no deserto, proclamado anualmente no primeiro domingo da Quaresma. De fato, entrar neste período litúrgico significa colocar-se cada vez mais do lado de Cristo contra o pecado, para enfrentar - seja como indivíduos, seja como Igreja - a batalha espiritual contra o espírito do mal (Quarta-Feira de Cinzas, oração coleta).

Por esta razão, invocamos a ajuda materna de Maria Santíssima para o itinerário quaresmal, que acaba de começar, para que esteja repleto de frutos de conversão. Peço uma especial lembrança na oração por mim e meus colaboradores na Cúria Romana, que nesta noite começaremos a semana de Exercícios Espirituais.

[Tradução: Aline Banchieri.
©Libreria Editrice Vaticana]

“Jesus de Nazaré”: da caneta do Papa ao e-book

Entrevista com o editor de Bento XVI

Por Giulia Galeotti

Sete edições iniciais, com um total de 1.200.000 exemplares e contratos assinados com 22 editoras no mundo inteiro. São os números do livro de Bento XVI, "Jesus de Nazaré. Da entrada em Jerusalém até a Ressurreição".

O volume foi apresentado no dia 10 de março, na Sala de Imprensa da Santa Sé. Sobre sua gênese, as vicissitudes que acompanharam a execução e, especialmente, a operação editorial que está na sua base, ‘L'Osservatore Romano' entrevistou o padre salesiano Giuseppe Costa, diretor da ‘Libreria Editrice Vaticana' (LEV).

ZENIT: Em janeiro, você previa a publicação do volume para março: perfeitamente a tempo. Por mérito de quem?

Giuseppe Costa: O mérito é um pouco de todos, mas acima de tudo do autor, que o entregou a tempo. Seguiu-se então um longo processo de tradução para vários idiomas, e desde fevereiro foi feita a impressão e houve uma organização que realmente exigiu muito esforço.

ZENIT: Qual foi a história do livro?

Giuseppe Costa: Há quase um ano e meio, o Pe. Georg Gänswein [secretário do Papa, N. da R.], entregou-me a cópia eletrônica em um ‘memory stick' e impresso em papel. O Papa tinha terminado o texto, a lápis, com a sua caligrafia pequena e, em seguida, como sempre, Birgit Wansing o passou ao computador.

ZENIT: Na Itália, o primeiro volume foi publicado pela ‘Rizzoli', enquanto o presente, pela LEV: uma notável mudança.

Giuseppe Costa: Certamente que sim. O livro, impresso pela imprensa vaticana, é distribuído pela RCS, que, com sua excelente organização, garantiu a distribuição de 300 mil exemplares em três dias.

ZENIT: O assunto da tradução não deve ser nada fácil.

Giuseppe Costa: Em italiano, especialmente, não foi fácil, porque, nestas décadas, os livros de Joseph Ratzinger foram traduzidos por diversas mãos: o desafio foi encontrar certa homogeneidade da linguagem. É preciso evitar também o risco de que a tradução a várias línguas não conserve ou traia o pensamento do autor. A fidelidade ao original foi assegurada com atenção e cuidado, graças aos tradutores da Secretaria de Estado.

ZENIT: Com o primeiro volume, houve problemas de tradução?

Giuseppe Costa: Sim. Por exemplo, a tradução chinesa não era impecável, e outras não respondiam à linguagem teológica.

ZENIT: Foram acrescentadas mais solicitações para traduções com relação ao primeiro volume?

Giuseppe Costa: Sim, o interesse é superior e, portanto, o número de editores cresceu. E nós estamos apenas no começo: assinamos contratos com 22 editoras no mundo inteiro e estamos negociando com outras.

ZENIT: Como os editores são escolhidos?

Giuseppe Costa: Quando se sabe que o Papa está escrevendo um livro, chegam pedidos de vários países, então os editores no final são apenas uma parte dos que haviam solicitado. Nos EUA, por exemplo, ‘Ignatius Press' nos pareceu a mais adequada, ainda que tenha havido pedidos de editoras importantes, como a ‘Doubleday' e ‘Our Sunday Visitor'. Para a edição francesa, escolhemos ‘Parole et Silence', uma editora em crescimento, muito comprometida com a difusão do magistério papal; e, na Espanha, ‘Encuentro'.

ZENIT: A mudança foi completa...

Giuseppe Costa: Quase completa: nem todos os editores do primeiro volume imprimiram também o segundo. A escolha é baseada em vários critérios: a seriedade editorial e organizativa, certamente, mas também a confiabilidade; escolhemos editores capazes de promover não só um livro, mas também seu conteúdo.

ZENIT: Quais são os números previstos?

Giuseppe Costa: Em 10 de março, saíram sete edições: em alemão, italiano, inglês, francês, espanhol, português e polonês, com um total de 1.200.000 cópias. A edição alemã saiu com 150 mil cópias, mas ‘Herder' adicionou 50 mil e está pronta para outras impressões. A edição italiana já está distribuída, com 300 mil exemplares, e estamos reimprimindo outros 100 mil. Já na França, estão prontas outras 100 mil cópias; Portugal começou com 20 mil. No final de março, chegará a edição croata.

ZENIT: Há planos também para o e-book?

Giuseppe Costa: Sim, e em algumas línguas também está disponível para o primeiro volume.

ZENIT: E para o futuro?

Giuseppe Costa: No prefácio deste livro, o próprio Papa anuncia uma terceira parte, dedicada aos Evangelhos da infância. E a LEV prevê uma edição única dos três volumes. Acreditamos que este novo livro de Bento XVI será um ‘long seller'. Como tal, será devidamente promovido através de apresentações, encontros e outras iniciativas.

ZENIT: O volume está dedicado aos últimos dias da vida de Jesus. O lançamento na proximidade da Páscoa é uma coincidência?

Giuseppe Costa: Não, este é, sem dúvida, o melhor período. Poderia ter sido publicado antes, mas em novembro saiu o livro-entrevista.

ZENIT: Bento XVI é certamente uma assinatura que não exige muita publicidade...

Giuseppe Costa: Não somente isso, mas, como editor, devo dizer que o Papa fez a LEV crescer, porque tivemos de adaptar infraestruturas e organização, demonstrando capacidades que não tínhamos antes. Obviamente, o Papa nos incentiva também no campo cultural, para que proponhamos ensaios nos quais seus trabalhos e livros possam ser comentados, para a divulgação do seu magistério ao público em geral.

ZENIT: Não há autores se não houver leitores; também no caso de Bento XVI?

Giuseppe Costa: É sempre fácil de ler o Papa, mesmo nas questões mais complexas. Bento XVI é um teólogo refinado, e às vezes também se aprofunda em questões que estão relacionadas com o método de pesquisa, mas quem está interessado na narrativa da fé, pela dimensão espiritual ou mesmo pela comunicação humana, sempre considera suas páginas muito compreensíveis. E cativantes.

Bispos japoneses: “Nossa missão é manter viva a esperança”

Pedem orações dos cristãos do mundo inteiro
Após o terrível terremoto e o tsunami que devastaram o Japão, todos, começando pela Igreja Católica, estão trabalhando para levar ajuda às vítimas da tragédia.

Neste contexto, os bispos japoneses querem estar em primeira linha, para "manter viva a chama da esperança", afirmou à Fides Dom Martin Tetsuo Hiraga, bispo de Sendai, a diocese mais afetada.

"A situação é muito difícil. Ainda não podemos compreender a magnitude do desastre - confessou. As notícias são fragmentárias. Minha diocese é muito grande e abrange quatro prefeituras civis, ao longo de 500 km de costa, no norte da ilha de Honshu, a maior do arquipélago japonês. O tsunami afetou mais de 300 km de costa."

"Nós ainda não sabemos quantas pessoas morreram, quantas estão desaparecidas, nem quantas estão desabrigadas. Não sabemos se entre estes há fiéis católicos", reconheceu o prelado.

Dada a incerteza, "ainda é difícil dizer o que pode ser feito ou como ajudar (...). As pessoas estão exaustas e desorientadas. O impacto material e emocional na sociedade tem sido muito forte".

"Estão chegando carros e voluntários provenientes de todo o Japão. É preciso união e boa vontade de todos", acrescentou.

"Nós, católicos da diocese de Sendai, somos pouco mais de dez mil, um pequeno rebanho. Mas continuamos rezando pelas vítimas e faremos o possível para levar alívio, para dar testemunho da mensagem do amor de Cristo, neste momento de sofrimento."

Os bispos japoneses se reunirão amanhã em Sendai, explicou Dom Hiraga, para decidir que estratégia adotar.

Devemos buscar conselho sobre como agir. Enquanto isso, confiamos em Deus e pedimos a oração de todos os cristãos no mundo."

"Nós recebemos a mensagem do Santo Padre e lhe agradecemos por suas palavras, que nos dão coragem e esperança. Hoje, esta é a nossa missão específica: ajudar o país a voltar a dirigir os olhos ao céu e manter viva a chama da esperança."

A diocese de Sendai tem oficialmente 10.944 batizados, representando 0,15% da população (mais de 7,2 milhões) do território.

Tem 53 paróquias e 13 casas missionárias, servidas por 27 sacerdotes diocesanos e 19 sacerdotes religiosos, 5 religiosos leigos e 262 freiras.

Dom Bruno Forte: na noite do mundo, homem sente nostalgia de Deus

Começam os “Diálogos na catedral” entre fé e cultura, em São João de Latrão
"O homem busca a Deus, sente nostalgia da sua presença": esta constatação, apoiada por estudos sociológicos dos últimos anos, deu à luz o primeiro encontro de "Diálogos na catedral", compostos por três reuniões propostas pela diocese de Roma, na Basílica de São João de Latrão, com diversos expoentes da cultura.

Sobre a nostalgia de Deus na cultura contemporânea discutiram, em 10 de março, Dom Bruno Forte, arcebispo de Chieti-Vasto, e Pietro Barcellona, ​​da Universidade de Catania.

"O homem contemporâneo - disse o cardeal vigário de Roma, Agostino Vallini, apresentando o encontro -, mesmo no drama das situações existenciais, espera conhecer e encontrar não um deus genérico, mas o Deus dos vivos." Sua nostalgia "nasce da desilusão dos deuses, mas também das propostas culturais insatisfatórias da nossa época". Em seu coração, de fato, "existe ainda a esperança viva de ser amado e de ser parte da construção de uma história que se desenvolve ao longo do tempo e continua para além dele".

A noite do mundo

"O ocaso das ideologias - disse Dom Forte - deu lugar ao ‘tempo da noite do mundo', um tempo tão pobre, que não reconhece a falta de Deus como ausência." Já foi demonstrado que a "morte de Deus", comemorada por Nietzsche, não gerou "um homem mais feliz, e sim mais solitário e mais violento, como evidenciado por guerras e massacres perpetrados pelos totalitarismos, tanto de direitas quanto de esquerdas, durante o século XX".

A pobreza que se segue à "crise das grandes narrativas ideológicas", portanto, "não é tanto a percepção da ausência de Deus, e sim o fato de que os homens não sofrem mais por essa falta". Desapareceu o "sentimento de pertença". "E por isso - sublinha Forte -, as mentes mais alertas advertem a necessidade de um retorno ao sagrado, reconhecendo diversos sinais de esperança, por exemplo, o canto dos poetas." Dever do poeta é "suscitar a nostalgia de Deus, cantar a sua ausência".

"É verdade - diz Forte - que da noite não se sai facilmente." De fato, "em sua rejeição crítica dos mundos ideológicos, a pós-modernidade nada mais é do que uma forma invertida deles", de maneira que "a sede de plenitude da razão emancipada pode tornar-se uma nova totalidade, a do negativo que abrange todas as coisas".

"No entanto, aparece na inquietude pós-moderna - continuou ele - uma espécie de busca do Outro, do hóspede pelo qual se anseia e, ao mesmo tempo, que perturba." Percebe-se que "fugir da presunção totalitária da razão moderna exige confessar uma alteridade que destrua o domínio do sujeito e se ofereça como a origem e fim".

"O resultado do moderno e do pós-moderno - disse Forte - é a fome e a sede de sentido, declaradas ou não", ou seja, "a necessidade de dar sentido a uma vida tão frágil".

Um Deus em quem confiar

Qual é, então, o Deus "de quem se pode falar aos homens e mulheres do nosso tempo?". "Um Deus de confiança - destacou o arcebispo de Chieti-Vasto -, que não nos violenta, porque quer para si somente homens livres." O cristianismo, de fato, "é a religião da liberdade, radicalmente diferente, por isso, entre outras coisas, do Islã, no qual tudo está predestinado".

"Na pergunta que cada um carrega dentro de si sobre a inevitabilidade da morte - disse Forte -, vai se perfilando a imagem de um pai-mãe no amor, alguém em quem confiar sem reservas, quase um porto para repousar nosso cansaço e nossa dor, certos de não ser lançados ao abismo do nada. Por que, então, essa necessidade é tão forte, surge em tantos a rejeição inclusive visceral da figura do pai?" Essencialmente, pelo "medo de ter de depender d'Ele".

A escolha é crucial para aceitar "um pai-mãe que nos ame tornando-nos livres". "Escolher de que lado se quer estar": isso é, para Dom Forte, "o risco da fé". "Não fomos nós que amamos a Deus em primeiro lugar, e sim Ele quem nos amou".

"O anseio por Deus no mundo contemporâneo - concluiu o arcebispo - não está dirigido a um juiz, mas ao Crucifixo." O Homem do Sudário atrai "porque nessa fraqueza se revela o amor infinito de Deus". Qual é, então, o passo a ser dado? "Render-se a este amor, que não é fraqueza, mas ‘boa notícia'. Os cristãos que o experimentaram, como o ministro paquistanês Shahbaz Bhatti, sabem que é a única razão pela qual vale a pena viver e morrer."

Derrotar a morte

Não são diferentes as conclusões de Pietro Barcellona, ​​professor de Filosofia do Direito na Faculdade de Direito da Universidade de Catania, ex-membro do Conselho Superior da Magistratura e já deputado do Partido Comunista Italiano.

"A nostalgia - disse Barcellona - nasce do sentimento de perda." A nossa é uma época caracterizada pela "perda da dimensão interior e da memória, e inclusive do contato com o mundo real". A oferta, de fato, é "a ‘Second Life', uma vida virtual".

"O iluminismo tecnológico - disse Barcellona - ​​é a última tentativa da arrogância do homem de lidar com a avassaladora angústia da morte, que invade desde os primeiros momentos de sua vinda ao mundo."

Na realidade virtual, de fato, "não aparecem, de forma alguma, nem a experiência dolorosa da existência como seres mortais nem a experiência da imaginação como capacidade de pensar outra maneira possível de estar no mundo". As mais avançadas tecnologias funcionam como "um grande dispositivo anestésico", na medida em que "os homens não gostam de pensar, porque isso os leva a manter contato com suas próprias contradições".

"Na época da atual miséria - interrogou-se Barcellona -, em que o niilismo parece ter vencido qualquer tentativa de reabrir o ânimo à esperança, de que Deus se pode sentir nostalgia?" O Deus por quem se sente "a atração irresistível", segundo Barcellona, ​​é "o Filho de Deus que se fez homem e que, assumindo a carne e o sangue dos seres mortais, compartilhou, até as últimas consequências, a dor e a miséria, escolhendo deixar-se crucificar como o último dos delinquentes".

"Somente um Deus que aceita ser derrotado pela morte - concluiu Barcellona - ainda é capaz de se comunicar com seres humanos."

(Chiara Santomiero)

Cresce a pedofilia, inclusive a cultural

Só em 2010, 70 mil abusos contra crianças de 0 a 12 anos

Por Mirko Testa

Por um lado, as redes sociais estão cada vez mais atentas à praga da pedofilia, mas, por outro, estão aumentando exponencialmente o fenômeno da “pedofilia cultural”, favorecida por novos “paraísos da pedofilia” como Tuvalu e a Líbia.

O dado consta no Informe 2010 sobre a pedofilia e a pedopornografia, divulgado pela Associação Méter, fundada e presidida pelo padre italiano Fortunato di Noto para combater os abusos contra menores. O informe foi apresentado nesta quarta-feira em entrevista coletiva na sede da Rádio Vaticano, em Roma.

O evento contou com a presença do diretor da assessoria de imprensa e da emissora pontifícia, Federico Lombardi, que afirmou: “Sabemos como foi debatido o abuso sexual contra menores, como a Igreja se viu envolvida pelos motivos que já conhecemos. A atividade da Associação mostra que a Igreja está comprometida contra os abusos sexuais, em todos os âmbitos, inclusive as novas formas desse terrível drama na nossa sociedade”.

Vítimas com rosto

O informe reúne os dados de 2010, levantados mediante um atento monitoramento da internet feito graças ao acordo de cooperação assinado em 2008 entre a Associação e a Polícia Postal italiana, que permitiu investigações na Itália e no mundo e resultou em numerosas prisões por exploração sexual de menores.

Os números apontam 69.850 vítimas de abusos durante 2010. Todas são crianças em idade pré-púbere, de no máximo 12 anos de idade, contadas pela primeira vez uma por uma durante o monitoramento da rede e a partir das denúncias de sites pedopornográficos.

O informe aborda também o problema ainda mais alarmante da infantofilia, do qual, observa Di Noto, “a imprensa fala raramente, ou quase nunca”. Este fenômeno tem como alvo crianças de 0 a no máximo 2 anos. A denúncia abrange material fotográfico e de vídeo em que menores são gravados em cenas de forte caráter erótico ou mesmo em atos sexuais explícitos.

“As violências sexuais perpetradas são trágicas, indescritíveis, e são detectáveis com frequência em contextos familiares e criminais. Há casos de sets fotográficos montados de propósito, até dentro de barracos. Detectamos também violências a que as crianças são submetidas junto com animais. Tudo isso atrás dessa absurda violência sexual, cega e bestial”.

O alarmante fenômeno se reflete em números que indicam alto crescimento. Entre 2003 e 2010, foram identificados 689.394 sites. Só em 2010, foram 13.766, entre sites, redes sociais, serviços de troca de arquivos de foto e de vídeo e listas de e-mail com envio de conteúdo de pedofilia. Em 2009, tinham sido 7.240. O aumento foi praticamente de 100%.

96% do tráfego desse material ocorre em sites, enquanto os 4% restantes se valem de redes sociais (2,28%), serviços de troca de fotos e vídeos (1,51%) e listas de e-mail (0,16%).

“O site pessoal”, explica Di Noto, “ainda é o instrumento preferido pelos pedófilos, que em geral usam domínios genéricos (80% dos casos), como .info, .com, .net. Domínios aparentemente inócuos, mas que escondem fotos e vídeos de crianças violentadas. Nos outros 20% dos casos, temos domínios específicos, procedentes de áreas geográficas muito determinadas”.

Se as denúncias diminuíram na comparação com 2009, aumentou o número de sites denunciados. As referências italianas, inscritas em redes sociais e similares, eram 51: agora são 65. Crescem também as denúncias através do fórum da Méter, que passaram de 560 para 889, indicando “uma consciência mais desenvolvida, uma sensibilidade nova dos cidadãos da rede”.

“Pedofilia cultural”

Cresce, além disso, a “pedofilia cultural”, ou a proliferação de sites em que o abuso e a violência sexual contra os menores são mostrados como se fossem uma “livre escolha” que “ajuda as crianças a crescerem”, ideia que tenta escusar-se num assim chamado “retorno aos nobres costumes da Grécia antiga”.

Nesta quarta-feira, 16 de março, após anos de contínuas denúncias da Associação Méter, começou a primeira operação internacional contra os “pedófilos culturais”, expressão cunhada por um lobby que procura fazer a pedofilia passar por fato “natural e normal”.

Sobre o tema, manifestou-se também Antonino D’Anna, que, junto com Di Noto, escreveu Corpi… da gioco (Corpos... para brincar, ainda sem tradução em português), publicado pela LDC em 2010. O jornalista citou como exemplo o nascimento em 2006 do partido holandês “Amor ao próximo, liberdade e diversidade” (NVD), primeiro partido declaradamente pedófilo, que conseguiu concorrer em eleições políticas antes de ser dissolvido em 2010 e que propunha em seu programa diminuir a idade do consentimento sexual para os 6 anos.

Também foram mencionados na entrevista a “Jornada do orgulho pedófilo”, celebrada em 25 de abril juntamente com o Alice Day, dedicado ao “amor pelas meninas”, e o Boylove Day, que é dedicado ao “amor pelos meninos” e celebrado em 23 de junho e em dezembro.

“O problema”, afirmou Antonino D’Anna, “é que cresce em muitos pedófilos a presunção da impunidade, que chega a virar uma certeza”, tanto que em 2010 a Associação denunciou fotos e vídeos com 32 abusadores (mulheres incluídas) que não se intimidaram em mostrar o rosto.

“O pedófilo”, explicou D’Anna, “é um doente lúcido, que tem a capacidade de viver essa experiência achando-a normal”.

Se em 80% dos casos as vítimas são as meninas, em 78% dos casos os abusadores são homens. E, contrariamente ao que se afirma, a maior parte deles não tem um passado de abusos sexuais.

“Isto muda a perspectiva”, afirma o fundador da Associação Méter. “Deveríamos fazer um discurso a céu aberto sobre o homem e sobre como ele é educado: qual é a sua relação com a mulher? Qual é a sua relação com o sexo e com a sexualidade?”.

Redes sociais mais seguras

Boas notícias sobre outras frentes: diminuem as denúncias contra as redes sociais, que passam de 851 para 315. “Neste caso – prosseguiu Di Noto – a diminuição se deu graças ao controle que os gestores das redes sociais realizaram”.

Caem também as fotos e vídeos: em 2009, os pedófilos se serviram das redes sociais para carregar 29.250 fotos; em 2010, foram 9.750. Os vídeos passaram de 2.607 em 2009 para 896 no ano passado.

Peer-to-peer

Frequentemente, no entanto, os criminosos fazem uso do file sharing, o peer to peer, quer dizer, a troca interpessoal de material. Foram denunciados 209 arquivos que continham 111.692 entre imagens (99%) e vídeos (1%) de crianças abusadas. “Produtos rápidos, velozes de comercializar e entregar – explicou Di Noto –. O peer-to-peer é cômodo para os pedófilos e também rentável: 70% das investigações se referem à posse, produção e divulgação de material pedopornográfico”.

Líbia, oásis da pedopornografia

Em relação à localização dos servidores que gerenciam o tráfego de material pedopornográfico, 57% dos casos se encontram em países europeus, 38% na América, 4% na Ásia, 0,4% na África e 0,27% na Oceania. Na África, 100% dos domínios denunciados estão na Líbia. Na América, 94% são nos EUA.

“Na Europa – ilustrou Di Noto – 99% dos domínios estão na Rússia. Na Ásia, 50% estão em Hong Kong.”

Isso demonstra que onde não existe uma legislação adequada para lutar contra a divulgação de material deste tipo, o único instrumento em que se pode confiar é pedir ao provedor de servidores que escureça as imagens criminosas. Este trabalho se complica na Rússia e nos EUA, por exemplo, que oferecem plataformas de serviço de anonimato, para onde confluem milhares de sites capazes de escapar dos controles.

A resposta

Em 2002 a Associação do padre Fortunato Di Noto criou na Itália um disque denúncia nacional, que desde então até 2010, recebeu 21.035 ligações de emergência, além de oferecer consultas telefônicas. Quem ligou obteve informações sobre adoção, custódia, denúncias suspeitas, mas também assistência psicológica, jurídica, denúncias, assistência espiritual.

A Associação apoia também projetos no Paraguai, Congo e Romênia, pagando advogados e psicólogos para dar uma identidade às chamadas “crianças invisíveis” e assegurar-lhes uma via terapêutica. Na Itália, também auxilia na parte civil dos processos, oferecendo apoio econômico, já que as vítimas não contam com a assistência gratuita de um fundo.

Existe também um centro de escuta e de primeira acolhida, que em 2010 acompanhou e proporcionou ajuda concreta a 862 crianças, aceitou também pedidos de conversas da parte de pedófilos, e enfrentou novos problemas emergentes como a perseguição online.

Também é importante o aspecto ligado à prevenção, formação e informação que a Associação tem levado adiante, mediante 68 congressos e encontros centrados principalmente em fenômenos ligados à internet, mas também através da presença em escolas.

Entre 2002 e 2009, a Associação visitou 184 institutos. Em 2010, falou com 1.722 alunos, para conhecer seus costumes no uso do computador. Dessas pesquisas, soube-se que 62% dos jovens já tinham recebido convite para se encontrar com pessoas conhecidas por meio da internet.

Junto da Igreja

Segundo Di Noto, a Associação está “ao serviço da Igreja, do Papa, dos bispos e das dioceses, no que concerne à pastoral com os pré-adolescente, os jovens no âmbito educativo e no acompanhamento nas novas formas de exploração e abuso”.

Entre 2009 e 2010, a Associação foi convocada pela Conferência dos bispos de língua inglesa no Vaticano, em representação da experiência associativa como modelo de serviço à infância contra a pedofilia.

Vigário episcopal para as crianças

Durante a conversa com a imprensa, Di Noto falou de sua proposta de instituir um “vigário episcopal para as crianças” dentro das dioceses, para dar um “sinal claro e evidente de como a Igreja ama as crianças”.

“Frequentemente me pergunto – confessou – por que nos conselhos pastorais das paróquias, ou nas dioceses, existe a pastoral juvenil, mas não a das crianças. Portanto, deveríamos reinventar nossa forma de realizar o trabalho pastoral”.

Para Di Noto, o verdadeiro desafio é permitir “às vítimas que tinham perdido a esperança sair do túnel do silêncio e voltar a encontrar sua dignidade. Dignidade que foi obscurecida precisamente por aqueles que mais que qualquer outro deveriam protegê-las e amá-las: pais e educadores”.

Nessa problemática, “ninguém deveria ficar em silêncio. Todos deveriam sair e fazer uma revolução cultural”, disse.

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Na internet: www.associazionemeter.org

Beatificação de João Paulo II: acolher bondade de Deus

CEP divulga nota pastoral por ocasião da beatificação de João Paulo II

A beatificação de João Paulo II, no próximo dia 1º de maio, é uma oportunidade para agradecer e acolher a bondade de Deus, que suscita pessoas disponíveis a apontar Cristo como caminho seguro.

Esse é o teor da Nota Pastoral da CEP (Conferência Episcopal Portuguesa) por ocasião da beatificação do Papa João Paulo II. O texto foi divulgado nesta terça-feira pelo organismo episcopal, que está reunido em Fátima em retiro espiritual.

Ao beatificar João Paulo II – afirma a nota –, a Igreja “está a sublinhar certos traços de uma santidade particular, considerando que não só merece ser conhecida e admirada, como pode ser luz que guia e estimula a prosseguir nos caminhos da conversão ao amor de Deus e do serviço aos homens e mulheres dos nossos dias”.

O texto assinala que a santidade “é fruto da relação entre a Graça de Deus e a Liberdade humana”.

Traços

Ao apontar alguns traços da santidade de João Paulo II, a nota pastoral afirma que Wojtyla foi um “homem de intensa vida interior que se comunica”.

“Quem não se lembra do modo intenso e profundo como celebrava a Eucaristia, como se recolhia longamente em oração, onde quer que chegasse, e a devoção com que falava espontaneamente de Cristo e de Nossa Senhora?”

“Ao mesmo tempo, manifestava uma invulgar capacidade de comunicação pessoal, tanto diante das multidões, como em particular, atraindo magneticamente tantos jovens, entre os quais muitos que se afirmavam estar distantes da Igreja.”

O texto da CEP destaca também que João Paulo II foi um “profeta de audazes intervenções em nome da justiça e da paz”.

“Nas primeiras palavras que disse ao povo reunido na Praça de S. Pedro, logo depois de ser eleito Papa, assim nos exortou: «Não tenhais medo!». E ele foi um homem sem medo, ao enfrentar muitas e difíceis situações políticas, sociais e morais, intervindo desassombradamente.”

“Foi um homem corajosamente sem medo em relação às políticas internacionais, nomeadamente do Leste europeu. Não restam dúvidas acerca do seu papel na queda de regimes comunistas totalitários, na promoção dos direitos humanos e na defesa da vida e dos valores morais.”

“Apontando sempre caminhos de reconciliação e paz, viajou por todo o mundo, correndo todos os riscos, na actualização da missão de Jesus Cristo, em incansáveis ações de nova evangelização”, destaca a nota.

Os bispos de Portugal consideram que o papa polonês foi um “servidor do amor e ternura pelos mais fracos e do perdão aos inimigos”.

“João Paulo II manifestou sempre uma particular atenção e carinho para com as crianças, os mais pobres e frágeis. Era comovente quando, cheio de alegria e seriedade, ultrapassava o protocolo e tocava nas crianças e doentes.”

A CEP afirma ainda que Wojtyla foi uma “testemunha da alegria na saúde e na doença, com máximo respeito pela vida”.

Ele encarou sua doença de “modo humilde e sereno”, aceitou “sua imagem desfigurada, e a própria incapacidade de falar, sem vergonha de apresentar a sua verdade publicamente, solidário com todos os que sofrem”.

“Lutou até ao fim sem desistir de estar presente para comunicar a fé, a certeza do amor de Deus, em todas as circunstâncias, mesmo naquelas que o mundo já não quer ver ou a que retirou a dignidade”. “Mesmo já gravemente doente e na despedida deste mundo, deu-nos eloquentes lições, como mestre e pastor até ao fim”.

Acolhida

Ao comentar o testemunho de vida João Paulo II, a CEP destaca que a santidade “não está reservada a um grupo restrito de gênios e heróis da virtude. Com a graça de Deus, está ao alcance de todos dar alta qualidade de amor à vida comum”.

“A beatificação do Papa João Paulo II é um chamamento e uma oferta que a Igreja faz a todos os homens e mulheres de boa vontade. Somos convidados a dar graças a Deus pela vida e ação deste Papa, por todo o bem e estímulo que nos continua a transmitir pelo seu exemplo e intercessão.”

“Somos também convidados a agradecer e a acolher a bondade de Deus que, mais uma vez, se revela atento às nossas necessidades e alegrias, tristezas e esperanças, suscitando sempre, no momento certo, pessoas disponíveis a apontar, de forma renovada, Jesus Cristo, caminho seguro, verdade luminosa e vida abundante”, afirma a nota.

Fátima

No encerramento de sua nota pastoral, os bispos de Portugal convidam os fiéis a associar‑se à comemoração da beatificação, em âmbito nacional, numa celebração que terá lugar em Fátima, no próximo dia 13 de maio.

“Que Maria, Mãe de Deus e Mãe da Igreja, nos inspire a progredir nos caminhos da santidade, a que Deus nos chama na vida comum do nosso quotidiano”, afirma o episcopado.

Brasil: bispo é ameaçado de morte

Tenta-se “criar um clima de terror e de chantagem”, afirma prelado
O bispo de Cajazeiras (Estado da Paraíba, nordeste do Brasil), Dom José Gonzáles Alonso, tem recebido telefonemas e mensagens com ameaças de morte.

O bispo se emocionou e chorou nessa terça-feira, durante uma coletiva de imprensa de apresentação da Campanha da Fraternidade, em Cajazeiras. Ele disse: “minha vida está nas mãos de Deus e oferecida à diocese”.

Em nota lida e assinada pelo prelado, ele explica o contexto das ameaças: “Há três anos, no cumprimento do dever, o Bispo Diocesano tomou medidas disciplinares no âmbito interno da Igreja, em conformidade com o Direito e as normas jurídicas da própria Igreja”.

A partir de então, Dom José Alonso “e outras pessoas passaram a receber telefonemas, e-mails, e torpedos, de origem desconhecida, denegrindo o clero e seminaristas, com difamações e calúnias, em linguagem desrespeitosa, agressiva e mesmo pornográfica”.

“Por fim as mensagens passaram a conter ameaças de todo tipo, também de morte, pessoais e até coletivas, tentando criar um clima de terror e de chantagem, com caráter extorsivo”, afirma a nota.

Segundo o prelado, todos os fatos foram comunicados às autoridades competentes para a apuração e identificação dos responsáveis, em vista da responsabilização penal de seus autores.

“A Diocese continuará a dar todos os passos necessários para a apuração dos fatos, e solicita das autoridades a máxima diligência para o encaminhamento das medidas legais”, destaca a nota.

O bispo afirma ainda que a Igreja de Cajazeiras “acredita e confia na misericórdia e justiça divinas e reza pela conversão e reconciliação de todos, que se restaure a verdade, se repare o mal feito e se caminhe com fé, esperança e caridade rumo ao centenário da Diocese”.

Bispo iraquiano: cristãos devem reivindicar direito de existir

Visita Irlanda para apresentar o Relatório de 2011: "Perseguidos e esquecidos"
Alguns dizem que foi um fundamentalista islâmico quem assassinou o Pe. Ragheed Ganni em 2007, gritando, antes de matá-lo: "Eu lhe disse para fechar a igreja, por que você está aqui ainda?".

Esta cena foi lembrada ontem pelo cardeal Sean Brady, arcebispo de Armagh, na Irlanda, no evento para promover o lançamento da edição 2011 do relatório da ‘Ajuda à Igreja que Sofre' sobre os cristãos oprimidos por sua fé. Este ano, o volume é chamado de "Perseguidos e esquecidos".

A reflexão do cardeal Brady respondeu a um discurso do arcebispo Bashar Warda, de Erbil, no Iraque.

Nada a esconder

O relatório do arcebispo sobre os problemas do Iraque destacou uma série de causas.

"Os iraquianos estão sofrendo uma crise na mudança cultural - disse ele. Vivemos em uma região que não sabe decidir entre a democracia e a lei islâmica. As pessoas não se decidem entre o direito dos seres humanos de viver em liberdade, em todas as suas emocionantes e desafiadores formas, e controle do espírito e das mentes de seu povo."

O país ficou com uma Constituição fraca, que tenta "satisfazer dois senhores", sugeriu o arcebispo: por um lado, a premissa dos direitos de todos; por outro, a lei islâmica para a maioria muçulmana.

"Os islâmicos não são os únicos que falharam - disse ele. Os leigos com fins lucrativos também são responsáveis. Os governos vizinhos da região, que ajudam os insurgentes com dinheiro e armas para desestabilizar o governo, também são responsáveis."

Dom Warda fez um breve resumo dos horrores diários. Ele ressaltou que 17 padres e dois bispos iraquianos foram sequestrados entre 2006 e 2010.

Então, começou uma campanha sistemática de bombardeios, que começaram em Mossul, em 2004. Foram 66 igrejas atacadas ou bombardeadas: 41 em Bagdá, 19 em Mossul, 5 em Kirkuk e 1 em Ramadi. Além disso, dois conventos, um mosteiro e um orfanato da igreja foram bombardeados.

Oriente e Ocidente

O cardeal falou da clara e convincente evidência de que o cristianismo está "sendo erradicado de forma agressiva no Oriente Médio, a mesma terra que viu o viu florescer pela primeira vez".

Mas, ao mesmo tempo, falou da "menos clara" e "menos sangrenta agressão no Ocidente, que está colocando o cristianismo sob a ameaça de um ‘ateísmo sério"; não do tipo da antiga União Soviética, mas "há um niilismo que está recentemente na moda e que nega veementemente qualquer verdade que venha da fé".

O cardeal Brady descreveu a missão de Cristo na terra como a de reconciliar o homem com Deus. "O mandato permanente da Igreja é dar continuidade a esta missão, a este processo de reconciliação e cura dos espíritos e sociedades destruídos - disse o cardeal. A missão da Igreja de Cristo na terra é curar o mundo, levar os povos e nações ao reino de Deus."