terça-feira, 2 de novembro de 2010

Investigação sobre pedofilia na Igreja

Entrevista com Lorenzo Bertocchi, historiador do Cristianismo

Quantos casos de pedofilia foram registrados na Igreja Católica? E quantos são verificados na sociedade? Para responder a estas e outras perguntas sobre um tema tão delicado e espinhoso, Francesco Agnoli, Massimo Introvigne, Giuliano Guzzo, Luca Volonté e Lorenzo Bertocchi acabam de publicar um ensaio sobre o assunto.

Para aprofundar no tema, ZENIT entrevistou um dos autores do ensaio italiano "Indagine sulla pedofilia nella Chiesa" (edições Fede & Cultura). É Lorenzo Bertocchi, estudioso da história do Cristianismo.

-Quantos são os casos de pedofilia na Igreja?

Bertocchi: Ainda que houvesse um único caso, é óbvio que já seria demasiado e dentro da Igreja quem manifestou idéias muito claras neste respeito é justamente Bento XVI. Dito isto, creio que é útil entender as dimensões do fenômeno e, na primeira parte do livro, Massimo Introvigne nos ajuda a moldar o problema. Nos Estados Unidos, por exemplo, segundo investigações acadêmicas autorizadas, de 1950 a 2002, os sacerdotes acusados de efetiva pedofilia foram 958 de mais de 109.000 sacerdotes, mas as condenações diminuem drasticamente até um número inferior a 100.

O padre Lombardi [porta-voz do Vaticano], em uma declaração de 10 de março passado, mencionava o caso da Áustria onde, no mesmo período, as acusações verificadas e atribuídas à Igreja somam 17, enquanto em outras ambientes elas passam de 510. Estes números podem dizer muito ou nada, todavia mostram sim uma tendência que permite esvaziar a hipótese que a respeito da Igreja quereria fazer-se "de toda la hierba un haz" [expressão italiana que significa "generalizar"].

-E na sociedade?

Bertocchi: Lendo os dados parece que a praga da pedofilia está verdadeiramente estendida e é impressionante. Em um relatório da Organização Mundial da Saúde - Estimativas Globais de Conseqüências de Saúde devido à Violência Contra Crianças (Genebra, OMS 2006) - é indicado, por exemplo, que em 2002, no mundo, estima-se que aproximadamente 150 milhões de meninas e 73 milhões de meninos forçados a diversas formas de abuso no âmbito sexual.

Um relatório da ONU, apresentado em 21 de julho de 2009 na Assembléia Geral, centraliza a atenção, por outro lado, na situação da internet: a escala mundial, o número de páginas de natureza pedo-pornográfico aumenta em ritmo vertiginoso; por exemplo, se em 2001 eram 261.653, em 2004 somavam-se 480.000, tendência que também se confirma consultando os relatórios anuais da Associação Meter, do padre Di Noto.

-Que cultura promove a pedofilia?

Bertocchi: No centro da problemática está a "cultura do sexo" que, especialmente a partir da chamada 68, promoveu uma verdadeira revolução destinada a "abolir os tabus". A difusão da pornografia, que de alguma maneira representa a bandeira desta revolução, está à vista de todos. A mentalidade dominante hoje é aquela que justifica a prática de uniões sexuais de todo o tipo, fruto de um pensamento que encontra suas raízes em De Sade, Freud, Fromm, Reich, Marcuse etc, aqueles que poderíamos definir como profetas da exaltação do orgasmo.

-Como, quando e por que a cultura favorável à pedofilia penetrou nos seminários e na Igreja?

Bertocchi: A resposta pode vir da carta que Bento XVI escreveu aos católicos da Irlanda onde, além de confrontar o problema de casos de pedofilia no clero irlandês, o Santo Padre procura também as raízes do fenômeno. Em sua argumentação, faz referência para que "o programa de renovação proposto pelo Concílio Vaticano II foi Às vezes mal entendido". Seguramente há uma alusão àquele período dos anos 60/70 do século passado no qual a chamada "abertura do mundo" conduziu a Igreja a uma debilidade da fé e a uma secularização progressiva.

O ataque social, feito em princípio pela autoridade, com o famoso slogan "proibido proibir", se insinuou na Igreja e, deste modo, nos seminários uma certa interpretação terminou por confundir a disciplina com o diálogo; o resultado foi uma manga mais larga na seleção de candidatos para o sacerdócio.

-Por que a pedofilia organizada e praticada com o turismo sexual não faz barulho e não é possível detê-la?

Bertocchi: A investigação da Universidade de Parma realiada por ECPAT estanelece o perfil do "turista" que não é certamente um mostro: em 90% dos casos, tem entre 20 e 40 anos, cultura de nível meio alto, bom padrão de renda, muito freqüentemente casado. Por outro lado, as vítimas têm idade entre 11 e 15 anos, no caso das meninas, e entre 13 e 18 para os rapazes.

Este tipo de "turismo" é considerado crime em muitos países, mas apesar disto é uma indústria florescente e justo pelo fato de ser "uma indústria" torna-s difícil deter o fenômeno. Mas também há uma razão mais radical investigada naquela "cultura do sexo" da qual falava a pouco; há expressões políticas que são estandartes de temas nascidos naquela "cultura" e que se movem como um verdadeiro lobbby.

-Qual é o limite entre realidade e falso moralismo?

Bertocchi: Por uma espécie de perversão da verdade, hoje nos deparamos com uma confusão ética de taps proporções que a realidade se perde no subjetivismo. Vemos, deste modo, que a condenação do comportamento imoral dos religiosos vem da mesma atmosfera cultural que está disposto a aceitar a toda arbitrariedade do indivíduo. As razões são de tipo ideológico, mas também de tipo econômico, como demonstram esses escritórios de advocacia americanos que têm ganho milhares de milhões de dólares, graças ao uso despreocupado da acusação de pedofilia.

-Como avaliar a linha de tolerância zero adotada pelo Papa Bento XVI?

Bertocchi: A determinação do Santo Padre querendo deixar claro me parece exemplar, mostra uma via de transparência que não só é válida para a Igreja, mas deveria ser para todos os setores da sociedade que tiveram ou tenham haver com este triste fenômeno.

Nas meditações da Via Crucis 2005, o então cardeal Ratzinger mostrou claramente a necessidade de se "fazer limpeza" dentro da Igreja, vontade não justiceira, mas desejo de verdadeira justiça para fazer brilhar cada vez mais a Esposa de Cristo "uma, santa, católica e apostólica".

-De que modo a Igreja Católica poderá será capaz de superar a consternação e a desconfiança disseminada entre as pessoas?

Bertocchi: Eu concordo com as conclusões que Agnoli mostra no ensaio: oração, recuperação do senso de sobrenatural, serviço efetivo do governo da Igreja e, eu acrescento, uma profunda recuperação do senso de pecado. "O verdadeiro inimigo para temer e combater é o pecado, o mal espiritual que, às vezes, lamentavelmente, contamina também aos membros da Igreja", disse Bento XV após a Regina Caeli de 16 de maio.

Infelizmente, em muitas catequeses, está cada vez menos na moda o tópico "pecado", deslocado por muita psicologia e muita sociologia. Reconhecer-se pecadores, porém, é a via para acolher a Misericórdia de Deus. Caridade na Verdade, não há outro modo para dar esperança aos homens de nosso tempo.

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