terça-feira, 2 de novembro de 2010

Como se relacionar com Deus?

Como já foi lembrado nas formações anteriores, Deus está próximo de nós e, mais do que isso, está ansioso por participar da nossa vida. É importante destacar que o Senhor é Emmanuel, Deus conosco. Ele é quem sempre dá o primeiro passo em direção ao homem. No paraíso, após a desobediência de Adão, é Deus que lhe vem ao encontro em primeiro lugar e o chama: “Adão, onde estás?” (Gn 3, 9). É sempre o Senhor quem vai em busca do homem. Na encarnação do seu Filho, isso se torna mais manifesto: “Nisto consiste o amor: não em termos nós amado a Deus, mas em ter-nos Ele nos amado e enviado seu Filho único para expiar os nossos pecados” (1Jo 4, 10). Esse chamado de Deus em busca do homem - “’Onde estás?’ – palpita no interior de todos nós o desejo, a sede de Deus. O desejo de Deus está inscrito no coração do homem, e [...] Deus não cessa de atrair o homem para si, e somente em Deus o homem há de encontrar a verdade e a felicidade que não cessa de procurar” (CIC 27). E Santo Agostinho diz que o “nosso coração vive inquieto, enquanto não repousar em vós” (Confissões nº 01).

O relacionamento do homem com Deus começa com o início da própria existência. Como lembramos no Salmo 138, desde antes de nascer, Deus já olha por nós. O relacionamento se torna mais íntimo com o sacramento do batismo. É lá que a criança-criatura é acolhida na família de Deus e recebe a adoção, o caráter de filho de Deus. Isso se repete em todos os sacramentos da Igreja: na medida em que participamos deles, vivenciamos a pertença à Sua família. A vida da Igreja nos impulsiona ao relacionamento com Deus. Através dos sacramentos – principalmente da Eucaristia e da Penitência – o próprio Deus se revela ao crente. “É pelos sacramentos da Igreja que Cristo comunica aos membros do seu corpo o Seu Espírito Santo e Santificador” (CIC 739).

Nos sacramentos da Igreja, Deus se revela ao homem. “Os sacramentos da nova lei foram instituídos por Cristo e são sete, a saber: o Batismo, a Confirmação, a Eucaristia, a Penitência, a Unção dos Enfermos, a Ordem e o Matrimônio. Os sete sacramentos atingem todas as etapas e todos os momentos importantes da vida do cristão: dão à fé do cristão origem e crescimento, cura e missão” (CIC 1210). “O que a fé confessa, os sacramentos comunicam: pelos ‘sacramentos que os fizeram renascer’, os cristãos se tornaram ‘filhos de Deus’ (cf. Jo 1, 12; 1Jo 3, 1), ‘participantes da natureza divina’ (2Pd 1, 4)” (CIC 1692).

Relacionar-se com Deus não é muito diferente do relacionar-se com um amigo. Nessa situação, o diálogo é fundamental. É através dele que os amigos se conhecem e se dão a conhecer. É conversando que eles aprendem o que agrada a um e desagrada ao outro, o que é bom pra um e ruim para o outro. No relacionamento com Deus acontece o mesmo: o diálogo é a oração. É primordialmente através da oração que nos relacionamos com Deus: “Ainda que o homem esqueça seu Criador, ou se esconda longe de Sua Face, ainda que corra atrás dos seus ídolos ou acuse a divindade de tê-lo abandonado, o Deus vivo e verdadeiro chama incessantemente cada pessoa ao encontro misterioso da oração. Essa atitude de amor fiel vem sempre em primeiro lugar na oração; a atitude do homem é sempre resposta ao esse amor fiel. À medida que Deus se revela e revela o homem a si mesmo, a oração aparece como um recíproco apelo, um drama de Aliança” (CIC 2567).

Ainda em outro trecho, o Catecismo nos lembra a passagem que representa o encontro de todo o homem com o Filho de Deus: a samaritana no poço de Jacó (cf. Jo 4). “’Se conhecesses o dom de Deus!’ (Jo 4, 10). A maravilha da oração se revela justamente aí, à beira dos poços aonde vamos procurar nossa água; é aí que Cristo vem ao encontro de todo ser humano, é o primeiro a nos procurar e é Ele quem pede de beber. Jesus tem sede, seu pedido vem das profundezas do Deus que nos deseja. A oração, quer saibamos ou não, é o encontro entre a sede de Deus e a nossa. Deus tem sede de que nós tenhamos sede Dele” (CIC 2560).

Como na amizade, o diálogo tem de ser verdadeiro e, na oração, nossas palavras devem ser autênticas. Não podemos cultivar uma relação frutuosa com Deus apresentando-nos apenas com orações decoradas e escondendo o que realmente sentimos. Muitas pessoas não descobrem o valor de um relacionamento sincero com Deus porque não conseguem manifestar a Ele seus reais sentimentos. Vestem uma máscara diante Dele e, não importa o que estejam passando, repetem sempre as mesmas palavras de louvor e adoração. Se nosso espírito está abatido, é assim que devemos nos apresentar a Deus. Se estamos com raiva ou tristes, não podemos fingir que está tudo bem. É a Deus que devemos apresentar nossa raiva, nossa tristeza e todos os nossos sentimentos. A primeira coisa que devemos fazer para conquistar um relacionamento de intimidade com o Senhor é jogar fora as máscaras e apresentarmo-nos diante Dele exatamente como somos.

Existem diversos tipos de oração. Em cada um, nos apresentamos ao Senhor de uma maneira diferente e contemplamos sua Face de modo particular. Na oração de louvor, por exemplo, nos apresentamos admirados e agradecidos por suas obras. O louvor não existe apenas para as coisas boas da nossa vida. Se cremos que Deus é amor, compreendemos que até as coisas ruins que nos acontecem são permitidas por amor. Assim, louvamos também pelas coisas que não nos parecem boas. O louvor é a oração do reconhecimento de Deus, ou seja, com o louvor reconhecemos sua majestade, sua glória, seu poder. Da mesma forma, na adoração, na súplica, na ação de graças, no pedido de perdão e nos diversos tipos de diálogo com Deus, experimentamos sua Graça e sua misericordiosa presença. Vale lembrar as palavras de Santa Teresinha do Menino Jesus: “Para mim a oração é um impulso do coração, é um simples olhar lançado ao céu, um grito de reconhecimento e amor no meio da provação ou no meio da alegria”. Um ‘impulso do coração’ é algo espontâneo, que brota do mais íntimo do homem, que não pode ser contido por fórmulas pré-estabelecidas e padronizadas.

É importante destacar que essa oração espontânea é fundamental para construirmos um relacionamento íntimo com o Senhor, porém não substitui as orações ensinadas pela Igreja e que devem ser cultivadas com zelo por todo o cristão. Mesmo na prática de orações recitadas, é preciso que toda nossa alma acompanhe as palavras que recitamos: “Para que essa oração seja algo próprio de cada um dos que nela participam e se torne fonte de piedade e da multiforme graça divina e alimento da oração individual e da ação apostólica, é preciso que nela a mente concorde com a voz, celebrando-a com dignidade, atenção e devoção. Todos cooperem diligentemente com a graça divina, para não a receberem em vão. Buscando a Cristo e penetrando cada vez mais intimamente em seu mistério mediante a oração, louvem a Deus e façam súplicas com a mesma intenção com que o divino Redentor orava” (Instrução Geral sobre a Liturgia das Horas nº 19).

“De onde vem a oração humana? Qualquer que seja a linguagem da oração (gestos e palavras), é o homem todo que reza. Mas para designar o lugar onde brota a oração, as Escrituras falam às vezes da alma ou do espírito, geralmente do coração (mais de mil vezes). É o coração que reza. Se ele está longe de Deus, a expressão da oração é vã. [...] A oração cristã é uma relação de Aliança entre Deus e o homem em Cristo. É a ação de Deus e do homem; brota do espírito e de nós, dirigida ao Pai, em união com a vontade humana do Filho de Deus feito Homem” (CIC 2565-2563).

O Rosário, por exemplo, nos ensina a contemplar os mistérios da encarnação assim como Maria os contemplou. O Ofício das Horas nos leva a consagrar nossa jornada e elevar nossa mente e coração a Deus nos diferentes momentos do dia. As orações e novenas dos Santos, além de conquistar os frutos de sua intercessão pelo mistério da Comunhão dos Santos, desabrocham em nós o coração suplicante de filhos que clamam. Todas essas práticas devem ser incentivadas em nossos grupos, porém devemos sempre motivar nossos jovens a buscarem desenvolver também a oração espontânea.

É importante também que guardemos esta verdade: a oração é graça, é um dom de Deus para o homem que clama!

Um fato concreto que eleva o relacionamento do homem com Deus ao grau da intimidade é a graça vivenciada pela Igreja com maior intensidade nesses tempos: a efusão do Espírito Santo. O Batismo no Espírito derruba toda barreira no coração humano para o relacionamento com Deus. É claro que sempre devemos nos esforçar para fazer a nossa parte. A Efusão do Espírito Santo é, portanto, o desabrochar da ação da Graça que pode ter ficado sufocada desde o nosso batismo. O Magistério nos ensina sobre a ação do Espírito Santo na Igreja: “O Espírito prepara os homens, antecipa-se a eles pela sua graça, para atraí-los a Cristo. Manifesta-lhes o Senhor ressuscitado, lembra-lhes a sua palavra, abrindo-lhes o Espírito à compreensão da sua Morte e Ressurreição. Torna-lhes presente o mistério de Cristo, eminentemente na Eucaristia a fim de reconciliá-los, de colocá-los em comunhão com Deus, a fim de fazê-los produzir ‘muito fruto’ (cf. Jo 15, 5.8.16)” (CEC 737).

Os nossos Grupos de Oração são terreno fértil e privilegiado para o desabrochar de um relacionamento fecundo entre o homem e Deus. Mas não só neles devemos buscar esse relacionamento. A oração pessoal é fundamental para crescermos em intimidade com o Senhor. “Quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê num lugar oculto, recompensar-te-á” (Mt 6, 6).

O relacionamento de Jesus com seus discípulos não se dava apenas durante suas aparições públicas, quando curava e pregava a Boa Nova. O momento privilegiado do Mestre com aqueles que chamou a segui-lo dava-se à noite, no monte ou na intimidade com os discípulos, sempre longe da multidão (cf. Mc 4, 10; Lc 9, 18; Lc 9, 28-36; Lc 18, 31; Mt 13, 36). É pela intensidade e pela grande quantidade desses momentos que Jesus, na sua despedida, pôde dizer: “Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor. Mas chamei-vos amigos, pois vos dei a conhecer tudo quanto ouvi de meu Pai” (Jo 15, 15). O relacionamento com Deus não pode ser apenas o relacionamento de um servo com o seu Senhor. Devemos querer mais, devemos buscar uma amizade profunda com o Senhor, através dos momentos de intimidade. Isso não virá apenas pelo nosso esforço, mas pela Graça. Assim, devemos colocar-nos à disposição do Senhor e fazer a nossa parte, pedindo a graça da intimidade com Deus ao Espírito Santo. Portanto, importa estar sempre aos pés do Senhor. Essa é a pedagogia do Mestre. Ele ensina na ‘escuridão’, falando ‘ao ouvido’: “O que eu vos digo na escuridão, dizei-o às claras. O que vós é dito ao ouvido, publicai-o de cima dos telhados” (Mt 10, 27).

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