Segundo a tradição bíblico-patrística, o diabo não é a personificação
das paixões, mas uma pessoa, criada por Deus como anjo e, tendo perdido
comunhão com Ele, converteu-se em espírito obscuro, o diabo. Como
pessoa,o diabo tem livre arbítrio, isto é, tem liberdade e esta
liberdade não é violada por Deus.
O mistério do pecado atua na história porque o diabo continua gerando o
mal e fazendo sua obra catastrófica como desde o início. A Tradição
bíblica e patrística, fora de toda consideração teórica e ética do bem e
do mal, fala sobre o rival astuto de Deus e do inimigo do homem. Este
inimigo é o diabo que tem a intenção é destruir toda a autêntica vida,
pois ele é um espírito de morte.Ele é uma personalidade concreta, um ser
concreto. Introduz-se com a injúria, com a arrogância e o engano na
história, com a pretensão de destruir a Deus e aos homens. O pecado, os
sofrimentos, a morte são gerados por ele, pois espalha a ruína e o ódio,
exercendo seu poder e domínio. O mal não é uma soma de ações puramente
humanas; suas raízes se encontram na autoridade diabólica. É uma força
que está fora do homem e de sua natureza, a quem, exercendo seu livre
arbítrio, pode aceitar ou rechaçar.
O diabo originou-se a partir da vontade e ação de Deus. Os demônios não
foram criados maus, pois Deus não criou o mal; tudo o que Deus cria é
bom. Foram criados sem maldade em sua essência, e, em sua natureza,
livres, independentes e com o livre arbítrio, exatamente como aconteceu
com os anjos. Após sua voluntária queda, de seres puros se converteram
em seres sombrios, impuros e violentos.
As legiões demoníacas são numerosas, distinguindo-se, umas das outras,
por grupos ou classes. A multidão dos demônios e sua distinção em grupos
ou classes é baseada em suas diferentes obras e nos diversos nomes que
recebem. Sendo pois inúmeros e recebendo variados nomes, lutam
continuamente para frustrar a obra redentora de Cristo.
Incapazes de prejudicar diretamente a Deus, se dirigem aos homens para,
com seus poderes maléficos, travarem uma luta com eles, confundindo suas
vontades, criando tentações, nos envolvendo em paixões, nos deixando
confusos e obstruindo nosso tempo de oração. Para tanto, usa de várias
faces e máscaras, gerando toda espécie de conflitos.
A tentação e a luta do diabo não estão acima das forças dos homens, não
viola o livre arbítrio e não danifica a sua essência natural. A força do
diabo não é imperativa dependendo sempre de nossa liberdade. Se
sucumbirmos à tentação é porque nossa vontade assim o permitiu. Os
Padres da Igreja ressaltam que o homem nunca fica só. Se a Graça de Deus
deixa o homem, ele se torna um ser completamente vulnerável, permeável
às influências do demônio. São Simeão, o Novo Teólogo, diz que "se não é
Deus quem dirige os homens, o diabo é quem os manipula, com o
consentimento e colaboração do próprio homem".
Por isso, o homem fiel a Deus é chamado a estar sempre vigilante e em
oração, pois Satanás não cessa de esconder-se e mascarar-se, com o
intuito de enganar e corromper a alma humana. É mestre em perverter as
palavras do Evangelho e a linguagem da Cruz, prometendo aos insensatos,
facilidades e comodidades. Existe o perigo de que cheguemos à degradação
total se nos entregarmos às tentações e seduções satânicas.
Se o diabo tem a possibilidade de transformar-se em qualquer coisa, até
mesmo em "anjo", podemos imaginar quão ardiloso ele é, usando de coisas
inocentes e frágeis, para atrair os mais ingênuos. Tenta persuadir para
destruir nos homens aquilo que lhe é mais caro: a liberdade.
Muitos dizem "não existe nem Deus e nem tão pouco o diabo". A negação da
existência dos demônios equivale a descartar a Economia Divina da
Santíssima Trindade. Cristo humilhou e despojou as autoridades das
trevas. A negação de sua existência facilita muito o trabalho e a ação
destas forças do mal. Muitos homens modernos crêem que não existe
satanás. Por causa disso, temos que nos preparar para assistirmos
surpreendentes sinais dos prodígios do demônio. Pois tudo o que ele
quer, é que creiamos que não exista para que, assim, possa agir mais
livremente, nos corações desprevenidos. Temos que nos preparar para
fazer frente a uma época de enganos e escuridão pela qual o mundo
passará, inevitavelmente, se a maioria dos homens crerem na sua
inexistência. Mas devemos confiar, sobretudo, na Onipotência Divina.
A Onipotência de Deus, de acordo com sua santa Vontade, não suprime a
liberdade dos seres racionais. Deste modo, permite que o diabo, usando
de sua liberdade, persista na obra do mal, porque também ele é um ser
livre. No entanto, limita seu agir destrutivo por sua amizade e grande
amor pelos seres humanos. Quando o homem se arrepende, Deus o perdoa, e
deste modo, fica limitado o reino do mal. O definitivo aniquilamento do
poder do mal se dará no Juízo Final.
A obra de demônio é destrutiva, porque odeia infinitamente o homem e a
Criação. Está possuído por uma exagerada misantropia mortífera. Inspira
pensamentos contra Deus e contra o próximo, influencia a vontade do
homem, atua na natureza ontológica do ser humano. Os Padres afirmam que,
não podendo o homem compreender a existência e a fúria do diabo, que se
manifesta nos ataques contra a alma, Deus permite que ele possua o corpo
do homem, para que sua força seja conhecida.
Satanás conseguiu pelo engano e pela mentira submeter os homens às
paixões e ao pecado. A causa que conduziu o homem ao pecado foi à
inveja. O diabo teve inveja de Adão pois este habitava num lugar de
delícias, o Paraíso, justamente de onde foi expulso.
A intenção de arrastar o homem ao pecado e ao sofrimento, acontece de
modo gradual. São Gregório Palamás afirma que Satanás, muitas vezes, não
age de forma direta, mas pouco a pouco vai engendrando astutamente a
cilada para que o homem caia. Mas a sua grande intenção é destruir a
Igreja. Ao atingir o homem, na verdade, quer atingir a Igreja, Corpo
Místico de Cristo. Tenta introduzir no pensamento do homem que "de fato
ele é livre e não precisa da Igreja ditando normas e leis, dizendo a ele
o que pode e o que não pode fazer. Não é necessário obedecer aos padres
para permanecer na virtude, basta deixar-se conduzir por si próprio."
Quando o diabo consegue tirar o homem da vida eclesial, expulsando a
graça de Deus de sua vida, este mesmo homem torna-se escravo das paixões
e dos ditames do diabo.
Por que Deus permite que o diabo lute contra os homens?
São Máximo, o Confessor, cita cinco razões:
1. Para que nós cheguemos a distinguir a virtude do mal, através desta
luta;
2. Para que, mediante esta luta, mantenhamo-nos firmes na prática da
virtude.
3. Para que saibamos que a virtude é um dom de Deus;
4. Para que odiemos firmemente o mal;
5. Para que, cientes de nossa fragilidade, nos agarremos à força de Deus
nos momentos de perigo.
Lamentavelmente, nossa educação e cultura ignoram esta realidade. Não só
a combate como não permite que seja falado sobre o pecado e o demônio na
sociedade. Por isso, com certeza, podemos dizer que o homem está cada
vez mais vulnerável aos ataques demoníacos.
E nós ortodoxos, esquecemo-nos que pertencemos à Igreja de Cristo e
entramos nela não para cumprir um dever formal e obter, com isso, nossa
justificativa face aos preceitos religiosos, mas para a nossa salvação.
Porque a Igreja é o lugar da salvação, onde entramos para nos libertar
de doenças espirituais através da Palavra, dos Sacramentos e da Oração.
Os Sacramentos foram dadas à Igreja para a salvação do homem, para
exorcizar o mal, combater e vencer a Satanás . Não podemos nos esquecer
que ali onde está Cristo, não pode estar Satanás e, onde estão os
demônios, tudo é corrupção e destruição, por isso Deus não pode estar
lá.
Se vivermos nesta verdade, nos libertaremos mais facilmente da prisão
que o demônio nos arma, conseqüência dos pecados que cometemos sob seu
domínio. Mas, não temamos! Existe Cristo, existe a Igreja, existe a
oração, existe a Sagrada Liturgia, existe a Confissão e a Eucaristia e
sobretudo existe o arrependimento. O demônio não quer o arrependimento
do homem porque é ele que inicia a abertura das portas da prisão.
Uma comunidade eclesial que se deixa vencer pelo demônio ou que teme sua
presença, é porque não conhece a força de Deus e da sua Igreja. Somos
chamados a dar testemunho através de nossa reta doutrina, reta
consciência e reto agir, de que o senhor do Mundo é Jesus Cristo. E não
há nenhum outro Senhor a não ser o nosso Deus! Se o demônio domina e
estende este senhorio sobre alguns homens, nem por isso, ele é
verdadeiramente senhor da humanidade.
Certa ocasião, o Senhor respondeu a seguinte questão: "Tu és aquele que
devias vir ou devemos esperar outro? E Jesus disse: "Ide e anunciai o
que vistes e ouvistes: os cegos vêem, os aleijados andam, os leprosos
são curados, os mortos ressuscitam e os pobres recebem a Boa Nova. Já
está entre vós o Reino de Deus"
Oxalá vivêssemos de fato esta verdade: o Reino de Deus já está em nosso
meio e não o reino das trevas. Se realmente crêssemos nesta palavra o
mundo seria melhor para as crianças, para os jovens e para os adultos.
Os anciãos não temeriam a morte.
Os filhos de Deus não temem o mal!
Trad.: Pe. Pavlos, Hieromonge
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