DISPONIBILIZAÇÃO DE MÚSICAS RELIGIOSAS EM FORMATO MP3 NA INTERNET
(Mazinho - Bacharel em Direito)
Olá, amigo internauta,
Fui levado a escrever este pequeno artigo devido a várias consultas recebidas por mim de artistas e músicos católicos e evangélicos, quanto a uma polêmica situação que está ocorrendo: a distribuição de músicas em formato MP3 em comunidades do Orkut.
A situação é delicada e muito polêmica, principalmente, por toda a ignorância em torno da matéria “direito autoral” que, se entre os próprios advogados, juízes e promotores é ainda controversa, é ainda mais para os leigos no Direito, sejam eles os próprios artistas, quanto nós, consumidores.
Devemos partir do fato de que existe uma Lei de Direitos Autorais: é a lei n° 9.610 de 19 de fevereiro de 1998. Por mais que no Brasil seja disseminada uma lenda de que “a lei só existe no papel, mas não é para ser cumprida”, cumpre salientar que a lei de introdução ao Código Civil é taxativa ao enunciar o princípio de que “a ninguém é dado o direito de alegar o desconhecimento da lei para se escusar ao cumprimento dela”.
Só este motivo, por si só, já seria suficiente para desmontar um primeiro argumento utilizado pelos membros dessas comunidades: de que a intenção é evangelizar. Apesar da nossa Constituição Federal, assegurar que é livre a manifestação religiosa, ela, em seu artigo 5°, inciso VI, é categórica ao afirmar que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”.
Por outro lado, na própria Constituição, que é a Lei Maior, está assegurada a garantia e proteção aos direitos dos autores e criadores. No inciso XXVII é claro e imperativo a vontade do legislador, ao afirmar que “aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras, transmissível aos herdeiros pelo tempo que a lei fixar”. Os estudiosos do direito dizem que princípios constitucionais não se contradizem, nem se sobrepõem: eles coexistem e se completam.
Portanto, o argumento de que a “evangelizar está acima do lucro”, é absurdo. Primeiro porque como não há uma lei que regulamente tal proteção aos locais de culto e suas liturgias – partindo-se de uma situação hipotética de que fonogramas religiosos poder-se-iam ser considerados objetos de liturgia, com livre uso. Se por um lado não há uma lei que assegure expressamente que músicas religiosas podem ser livremente distribuídas, por outro, temos uma lei em vigor – a lei 9.610/98 – que proíbe expressamente tal conduta: distribuir e reproduzir músicas, por quaisquer meios.
Na gravação e produção de um CD, muitos direitos estão envolvidos: de um lado, o direito dos autores das músicas; o direito dos intérpretes das canções; o direito dos arranjadores e músicos executantes; o direito do produtor fonográfico (gravadora), etc. Isso tudo está descrito no artigo 22: “Pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou”. Por direitos patrimoniais, entenda-se: obter remuneração pela utilização da obra criada.
Sendo mais enfático: não é crime o autor reivindicar seus direitos, como de fato fizeram vários artistas e músicos, que reclamaram e denunciaram esta situação nas comunidades do Orkut. Porém, é crime, reproduzir as canções do CD sem autorização expressa da banda e/ou da gravadora, aos quais pertencem, conjuntamente, os direitos morais e patrimoniais sobre o conjunto da obra.
Retomando o artigo 5° da Constituição Federal, no inciso XXVIII; veremos que a CF afirma que “são assegurados, nos termos da lei, o direito de fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou de que participarem aos criadores, aos intérpretes e às respectivas representações sindicais e associativas”. Não resta dúvidas qu eao questionarem a livre distribuição das suas músicas no Orkut, eles estavam apenas exercendo uma prerrogativa que a própria Constituição lhes assiste.
Quanto ao outro argumento levantado na comunidade, de que não há intuito de lucro e que distribuir na Internet não é pirataria, porque não se estão vendendo exemplares (CDs), é completamente equivocada. A lei 9.610/98, no capítulo que trata dos Direitos econômicos que o autor tem sobre sua obra, estabelece em vários artigos:
“Art. 28. Cabe ao autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor da obra literária, artística ou científica.
Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:
I - a reprodução parcial ou integral;
VI - a distribuição, quando não intrínseca ao contrato firmado pelo autor com terceiros para uso ou exploração da obra;
VII - a distribuição para oferta de obras ou produções mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para percebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, e nos casos em que o acesso às obras ou produções se faça por qualquer sistema que importe em pagamento pelo usuário;
VIII - a utilização, direta ou indireta, da obra literária, artística ou científica, mediante:
i) emprego de sistemas óticos, fios telefônicos ou não, cabos de qualquer tipo e meios de comunicação similares que venham a ser adotados;
IX - a inclusão em base de dados, o armazenamento em computador, a microfilmagem e as demais formas de arquivamento do gênero;
X - quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas.”
Veja como a lei é suficientemente clara!!! Pense que qualquer gravadora, ao bancar a gravação de um CD, investe uma quantia considerável para produzir o mesmo: são músicos, maestros, técnicos de gravação, produtores, fotógrafos, maquiadores, etc. Veja quanta mão-de-obra é empregada!!! Isto tudo tem custo: salário, impostos, etc, encargos que devem ser – e são!!! – pagos pela gravadora…
Por mais que as gravadoras em questão sejam selos de música religiosa, isso não as isenta de pagarem salários para seus empregados, e de recolherem todos os tributos que incidem na sua atividade econômica. Portanto, é perfeitamente justo e aceitável que tentem obter o maior retorno financeiro possível do investimento feito.
Vale dizer que, quando um artista ou grupo religioso – católico ou protestante – assina um contrato de gravação de um CD, fica estabelecido que a remuneração como intérprete, aos quais os integrantes ou cantor(a) faz jus, é apenas um percentual sobre a vendagem. Geralmente, este percentual gira em torno de 10% sobre o total vendido.
Então, se há pirataria, menos CDs são vendidos, o que diminui consideravelmente a remuneração que cada artista ou integrante do grupo recebe da gravadora. Por sua vez, exemplifiquemos um grupo com 12 integrantes: essa porcentagem será dividida em 12 partes iguais; afinal, são 12 artistas que se empenharam durante horas, dias e meses de uma rotina estafante de ensaios, gravação, shows, etc. Por isso mesmo, reafirma-se que é justo que recebam o retorno financeiro do esforço que despenderam.
E, justamente recorrendo a um argumento Bíblico, é que ouso perguntar: é justo ou não o trabalhador ser digno de receber seu salário?? Alguns “defensores” dessas comunidades no Orkut, dizem que não. Na concepção deles, só por se tratarem de artista ou banda religiosa, que gravam canções de mensagens, eles são mercenários, por quererem obter a remuneração que lhes é devida e merecida? Certamente não…
Quando se disponibiliza um CD inteiro no Orkut ou em redes de compartilhamento de arquivos (como o Kazaa, e-Mule, etc), o que de fato está se fazendoé distribuir este material autoral, sem o consentimento dos verdadeiros titulares de direitos sobre eles. Isto é uma clara violação aos direitos autorais, e que à luz de qualquer juiz de direito, numa análise processual, é facilmente provada através da verificação do teor das mensagens trocadas entre os membros dessas comunidades.
E é claro que há o lucro indireto de todos aqueles que baixam um CD, através dos links disponibilizados nas comunidades: quem baixa os MP3 facilmente pode gravá-los em um CD-R, e desta forma, importa em outra conduta: a de reprodução total ou parcial, sem o consentimento do autor. E, quase sempre, não comprará o CD original do artista, cujas músicas baixou na Internet.
Porém, um certo alguém que, porventura, tenha tido a curiosidade de revirar a lei 9.610/98, perguntaria-me: e o artigo 46, inciso II, que afirma não ser violação de direitos autorais “a reprodução em um só exemplar, de pequenos trechos, para uso privado do copista, desde que feita por este, sem intuito de lucro”?
Eu responderia: você sabe o que a lei quer dizer ao usar o termo “copista”? A lei faz referência àquela pessoa que, tendo adquirido um exemplar legítimo da obra, deseja fazer para si próprio, a cópia da mesma, para uso particular. Ocorre que, no caso em apreco, não ocorre esta situação, pelos seguintes motivos:
1. Porque quem baixa as músicas não está adquirindo um exemplar original e legítimo do CD. Portanto, caso grave um CD desses MP3, estará fazendo uma cópia não-legítima, portanto, reprodução ilegal.
2. Porque quem se dá ao trabalho de transformar em MP3 todas as canções de um CD, realizar um upload e disponibilizar o link nessas comunidades, ainda que a partir de um CD original adquirido legalmente, não está fazendo UMA cópia: está fazendo, na verdade, VÁRIAS CÓPIAS em potencial; e não está fazendo para SI: está fazendo para VÁRIAS PESSOAS, de fato.
3. E quem compra um CD original, ainda que não converta em MP3 TODAS AS FAIXAS do disco, mas apenas uma ou outra, a partir do momento em que compartilha este arquivo com alguém, deixa de configurar um uso privado, e passa a ser uma forma pública de utilização.
Creio que, com todas os argumentos expostos, desmonto completamente as alegações que tais pessoas utilizam para justificar suas ações, que são, no mínimo, imorais; mas que podem ser, inclusive, taxadas de criminosas.
Para encerrar este parecer, gostaria de citar o Código Penal, no artigo em que se está tipificado o crime de violação de direitos autorais:
“Art. 184. Violar direitos de autor e os que lhe são conexos:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.
§ 1o Se a violação consistir em reprodução total ou parcial, com intuito de lucro direto ou indireto, por qualquer meio ou processo, de obra intelectual, interpretação, execução ou fonograma, sem autorização expressa do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor, conforme o caso, ou de quem os represente:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 3o Se a violação consistir no oferecimento ao público, mediante cabo, fibra ótica, satélite, ondas ou qualquer outro sistema que permita ao usuário realizar a seleção da obra ou produção para recebê-la em um tempo e lugar previamente determinados por quem formula a demanda, com intuito de lucro, direto ou indireto, sem autorização expressa, conforme o caso, do autor, do artista intérprete ou executante, do produtor de fonograma, ou de quem os represente: (Redação dada pela Lei nº 10.695, de 1º.7.2003)”
Então? Está suficientemente clara a lei? Sem autorização do intérprete (artista individual ou grupo musical) ou do produtor fonográfico (gravadora, selo musical), efetuar o oferecimento ao público (distribuir o arquivo MP3), ainda que, sem cobrar nada de quem baixe (mas, como já dissemos, quem baixa, experimenta um lucro indireto, pois está deixando de comprar e pagar por um CD original), comete crime de violação de direito autoral, podendo o responsável pela distribuição (a pessoa que fez o upload e/ou divulgou o link para download) ser punido com até 4 anos de cadeia!
Pessoal… Música é coisa séria. Mesmo que seja música católica, estamos falando de direitos e deveres, de lei e de prisão. Não se arrisque por tão pouco… Será que a economia de 20 reais vale todo o transtorno de ser processado, podendo até ser preso? Creio que não. Apelo, ainda mais, ao bom senso… Existem tantas formas de se protestar por preços mais baixos, pela facilidade de acesso a tais CDs. Formas democráticas e legais de protesto… Invente uma!
Teamajormar Glauco B. Almeida (Mazinho)
teamajormar@gmail.com - Campo Grande-MS
Bacharel em Direito
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