Por Dom José Rafael Quirós, bispo de Limón, Costa Rica
Publicamos a análise feita por Dom José Rafael Quirós, bispo de Limón, na Costa Rica, sobre a pedofilia e Igreja.
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A pedofilia, transtorno da personalidade que consiste no interesse sexual centrado nas crianças de até 13 anos de idade, e que afeta uma porcentagem mínima da população, está presente, infelizmente, nos diversos grupos humanos sociais e profissionais.
Dado que o clero católico está composto por seres humanos, procedentes da sociedade, igualmente foi afetado por este comportamento - qualificado como crime e pecado pelo Papa Bento XVI, que, por sua vez, com total transparência e humildade, reconheceu que as medidas administrativas tomadas por parte de alguns superiores, como transferências e mudanças, mancharam de dor, tanto as vítimas como suas famílias e mesmo a Igreja.
No passado, a Igreja também cometeu erros no tratamento de fatos frequentemente denunciados, grandemente, a prática de guardar o silêncio, vigente na sociedade. Desde que foram publicadas algumas denúncias contra sacerdotes, foram dados passos concretos e decididos para erradicar este crime. O compromisso foi assumido pela Santa Sé, em primeira instância, pelo cardeal Joseph Ratzinger, sendo prefeito da Congregação para a Doutrina de Fé. Desde então, aquele que seria o Papa Bento XVI no futuro, demonstrou firmeza no tratamento de tais casos.
Normas vigentes
Em 18 de maio de 2001, a Congregação para a Doutrina da Fé enviou aos bispos de toda a Igreja e demais ordinários e hierarquia, uma carta com relação ao que considerava como os delitos mais graves contra a fé e a moral na Igreja e que eram reservados a esta instância superior.
No documento é estabelecido, claramente, que são delicta graviora (delitos mais graves) aqueles que atentam contra a santidade do Santíssimo Sacrifício e o Sacramento da Eucaristia, contra a santidade do sacramento da Penitência e contra o sexto mandamento (não pecar contra a castidade) do Decálogo, cometido por um clérigo contra um menor de 18 anos.
Este último delito, que é o que, de fato nos ocupa, já estava contemplado no cânon 1395 § 2, do Código do Direito Canônico (promulgado em 25 de janeiro de 1983), que ordena: "O clérigo que comete de outro modo um delito contra o sexto mandamento do Decálogo, quando este for cometido com (...) um menor de 18 anos, deve ser castigado com penas justas, sem excluir hipótese de exclusão do estado clerical se o caso requerer".
Desde então, e muito antes, a prescrição é inequívoca a dar a qualificativa de delito a tais ações, contemplando entre outras penas, a expulsão do estado clerical, imposta após realizar o julgamento conforme as normas processuais canônicas. Junto à Carta Apostólica, se incluía o elenco de normas de procedimento a seguir nos casos mencionados; pautas que, efetivamente, regem para a Igreja Universal.
Sobre o procedimento
No último dia 12 de abril, a própria Congregação para a Doutrina de Fé, publicou um guia para que leigos e canonistas possam compreender os procedimentos básicos, diante casos de denúncias por abusos sexuais. Estas normas foram postas em prática, desde que foram promulgadas.
Com clareza foi indicado:
- A denúncia é apresentada diante o bispo ou ordinário da diocese. A ele corresponde realizar a investigação prévia e valorizar se a mesma tem ou não fundamento. Após isso, o bispo remitirá toda a informação à Congregação para a Doutrina da Fé. Durante este período, e até que se termine o processo, o bispo pode tomar medidas cautelares para garantir que não haverá danos às crianças, entre elas, restringir o exercício público do ministério sacerdotal.
É importante recordar que terão de ser observadas as leis civis que regulam esta matéria.
- Com a informação remitida pelo bispo, a Congregação estuda o caso e pode tomar diversas posições:
1. Autorizar o bispo para que desenvolva um processo penal judicial em seu tribunal diocesano. Neste caso, deverão ser seguidas as normas estabelecidas para todo processo penal, conforme os cânones 1717-1737 do Código de Direito Canônico.
2. Autorizar o bispo para que realize um processo penal administrativo, por meio de um delegado, com a assistência dos assessores. Por se tratar de um processo administrativo, no final é emitido um decreto, que admite um recurso à Santa Sé. Nestes casos, o acusado também tem direito a conhecer e responder à demanda e a revisar as provas.
Se julgado "culpado", em ambos os processos, o clérigo expõe sua imposição, entre outras penas, a mais grave, é a expulsão do estado clerical.
- Quando há um julgamento penal civil condenável, declarando o clérigo culpado por abusos sexuais contra um menor, ou quando as provas são contundentes, a Congregação pode optar por levar o caso diretamente ao Santo Padre, com a petição de que, ele mesmo, promulgue, mediante decreto, a expulsão do estado clerical.
Diante de uma acusação, se o clérigo reconhece o delito, pode solicitar, por própria iniciativa, a dispensa das obrigações sacerdotais, que o Santo Padre concede pelo bem da Igreja.
- Também cabem medidas disciplinares autorizadas pela Santa Sé, quando o clérigo acusado admite seus delitos e aceita viver uma vida de oração e penitência. Por decreto, é proibido ou restringido o exercício público do ministério. Em caso dessa ordem não ser respeitada, pode-se impor uma pena e até a expulsão do estado clerical. Em contrapartida, dessa decisão o clérigo pode recorrer à Santa Sé.
Todo o procedimento é assistido pela lei suprema da Igreja: "a salvação das almas" (cânon 1752 do Código de Direito Canônico), cumprindo assim sua missão, que não é a de condenar e destruir o pecador, mas sim a de sempre dar lugar ao arrependimento e à conversão, sem deixar de lado a justiça.
A partir da nossa realidade
Cumprindo as normas emitidas pela Santa Sé, a Conferência Episcopal da Costa Rica, desde 1º de novembro de 2005, publicou um protocolo de "Procedimento mediante acusação de conduta sexual inapropriada contra uma pessoa menor de idade". Estas disposições foram exibidas publicamente e não são de acesso restrito, de forma que, quem quiser se informar ou tiver a necessidade de apresentar um caso, encontrará um guia para reclamações dos direitos do ofendido.
A denúncia é apresentada nas respectivas cúrias diocesanas, nas quais, uma vez recebidas, o bispo atuará por meio do vigário geral, a quem corresponde dar andamento no processo de investigação. Este último informará ao bispo sobre o ato e fará as recomendações que o caso merece, tanto referente às medidas que devem ser tomadas quanto contra o acusado, como aquelas relacionadas à ajuda espiritual e ao apoio psicológico dos afetados.
Em caso da Congregação para Doutrina da Fé indicar que os casos devem ser tramitados judicialmente, a documentação será enviada ao Tribunal Eclesiástico Provincial da Costa Rica para que se dê andamento do processo penal.
Não é só um problema da Igreja Católica
Como nos recorda o Concílio Vaticano II, a Igreja, seguindo fielmente a missão que o Senhor deixou, sabe que "está fortalecida, com a virtude do Senhor ressuscitado, para triunfar com paciência e caridade sobre suas aflições e dificuldades, tanto internas quanto externas, e revelar ao mundo fielmente seu mistério, ainda que seja entre penumbras, até que se manifeste em todo o esplendor no final dos tempos".
Em pé e com a cabeça erguida, continuamos caminhando, lutando contra o pecado em suas múltiplas manifestações; as medidas tomadas vão nesta direção, de forma que, se pecou, humildemente pedirá perdão pelos erros cometidos; é isso que forma a Igreja e continuaremos com o caminho não acabado de conversão.
O combate contra a pedofilia deve ser assumido por toda a sociedade, sem encobrimento e com total transparência. Sem demérito da caridade, que está acima de tudo. Para isso, devemos denunciar estes crimes às autoridades competentes, se realmente o que se pretende é buscar a justiça. Existe quem apresenta esse mal como exclusivo e estendido, unicamente na Igreja Católica, mas a realidade é que também acontece, em alguns casos com maior incidência, em outros círculos de confiança compostos por familiares, amigos, vizinhos, profissionais e religiosos não-católicos.
Além de apontar publicamente os culpados de atos concretos, que é o mais fácil e pouco ajuda a solucionar o problema, a sociedade inteira deveria ter consciência de que o ambiente libertino e desenfreado promovido e explorado, que muitos denominam de "sociedade aberta e moderna", alimenta, em grande quantidade, este tipo de conduta. A mudança é de todos.
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