O relacionamento do homem com Deus começa com o início da própria existência. Como lembramos no Salmo 138, desde antes de nascer, Deus já olha por nós. O relacionamento se torna mais íntimo com o sacramento do batismo. É lá que a criança-criatura é acolhida na família de Deus e recebe a adoção, o caráter de filho de Deus. Isso se repete em todos os sacramentos da Igreja: na medida em que participamos deles, vivenciamos a pertença à Sua família. A vida da Igreja nos impulsiona ao relacionamento com Deus. Através dos sacramentos – principalmente da Eucaristia e da Penitência – o próprio Deus se revela ao crente. “É pelos sacramentos da Igreja que Cristo comunica aos membros do seu corpo o Seu Espírito Santo e Santificador” (CIC 739).
Nos sacramentos da Igreja, Deus se revela ao homem. “Os sacramentos da nova lei foram instituídos por Cristo e são sete, a saber: o Batismo, a Confirmação, a Eucaristia, a Penitência, a Unção dos Enfermos, a Ordem e o Matrimônio. Os sete sacramentos atingem todas as etapas e todos os momentos importantes da vida do cristão: dão à fé do cristão origem e crescimento, cura e missão” (CIC 1210). “O que a fé confessa, os sacramentos comunicam: pelos ‘sacramentos que os fizeram renascer’, os cristãos se tornaram ‘filhos de Deus’ (cf. Jo 1, 12; 1Jo 3, 1), ‘participantes da natureza divina’ (2Pd 1, 4)” (CIC 1692).
Relacionar-se com Deus não é muito diferente do relacionar-se com um amigo. Nessa situação, o diálogo é fundamental. É através dele que os amigos se conhecem e se dão a conhecer. É conversando que eles aprendem o que agrada a um e desagrada ao outro, o que é bom pra um e ruim para o outro. No relacionamento com Deus acontece o mesmo: o diálogo é a oração. É primordialmente através da oração que nos relacionamos com Deus: “Ainda que o homem esqueça seu Criador, ou se esconda longe de Sua Face, ainda que corra atrás dos seus ídolos ou acuse a divindade de tê-lo abandonado, o Deus vivo e verdadeiro chama incessantemente cada pessoa ao encontro misterioso da oração. Essa atitude de amor fiel vem sempre em primeiro lugar na oração; a atitude do homem é sempre resposta ao esse amor fiel. À medida que Deus se revela e revela o homem a si mesmo, a oração aparece como um recíproco apelo, um drama de Aliança” (CIC 2567).
Ainda em outro trecho, o Catecismo nos lembra a passagem que representa o encontro de todo o homem com o Filho de Deus: a samaritana no poço de Jacó (cf. Jo 4). “’Se conhecesses o dom de Deus!’ (Jo 4, 10). A maravilha da oração se revela justamente aí, à beira dos poços aonde vamos procurar nossa água; é aí que Cristo vem ao encontro de todo ser humano, é o primeiro a nos procurar e é Ele quem pede de beber. Jesus tem sede, seu pedido vem das profundezas do Deus que nos deseja. A oração, quer saibamos ou não, é o encontro entre a sede de Deus e a nossa. Deus tem sede de que nós tenhamos sede Dele” (CIC 2560).
Como na amizade, o diálogo tem de ser verdadeiro e, na oração, nossas palavras devem ser autênticas. Não podemos cultivar uma relação frutuosa com Deus apresentando-nos apenas com orações decoradas e escondendo o que realmente sentimos. Muitas pessoas não descobrem o valor de um relacionamento sincero com Deus porque não conseguem manifestar a Ele seus reais sentimentos. Vestem uma máscara diante Dele e, não importa o que estejam passando, repetem sempre as mesmas palavras de louvor e adoração. Se nosso espírito está abatido, é assim que devemos nos apresentar a Deus. Se estamos com raiva ou tristes, não podemos fingir que está tudo bem. É a Deus que devemos apresentar nossa raiva, nossa tristeza e todos os nossos sentimentos. A primeira coisa que devemos fazer para conquistar um relacionamento de intimidade com o Senhor é jogar fora as máscaras e apresentarmo-nos diante Dele exatamente como somos.
Existem diversos tipos de oração. Em cada um, nos apresentamos ao Senhor de uma maneira diferente e contemplamos sua Face de modo particular. Na oração de louvor, por exemplo, nos apresentamos admirados e agradecidos por suas obras. O louvor não existe apenas para as coisas boas da nossa vida. Se cremos que Deus é amor, compreendemos que até as coisas ruins que nos acontecem são permitidas por amor. Assim, louvamos também pelas coisas que não nos parecem boas. O louvor é a oração do reconhecimento de Deus, ou seja, com o louvor reconhecemos sua majestade, sua glória, seu poder. Da mesma forma, na adoração, na súplica, na ação de graças, no pedido de perdão e nos diversos tipos de diálogo com Deus, experimentamos sua Graça e sua misericordiosa presença. Vale lembrar as palavras de Santa Teresinha do Menino Jesus: “Para mim a oração é um impulso do coração, é um simples olhar lançado ao céu, um grito de reconhecimento e amor no meio da provação ou no meio da alegria”. Um ‘impulso do coração’ é algo espontâneo, que brota do mais íntimo do homem, que não pode ser contido por fórmulas pré-estabelecidas e padronizadas.
É importante destacar que essa oração espontânea é fundamental para construirmos um relacionamento íntimo com o Senhor, porém não substitui as orações ensinadas pela Igreja e que devem ser cultivadas com zelo por todo o cristão. Mesmo na prática de orações recitadas, é preciso que toda nossa alma acompanhe as palavras que recitamos: “Para que essa oração seja algo próprio de cada um dos que nela participam e se torne fonte de piedade e da multiforme graça divina e alimento da oração individual e da ação apostólica, é preciso que nela a mente concorde com a voz, celebrando-a com dignidade, atenção e devoção. Todos cooperem diligentemente com a graça divina, para não a receberem em vão. Buscando a Cristo e penetrando cada vez mais intimamente em seu mistério mediante a oração, louvem a Deus e façam súplicas com a mesma intenção com que o divino Redentor orava” (Instrução Geral sobre a Liturgia das Horas nº 19).
“De onde vem a oração humana? Qualquer que seja a linguagem da oração (gestos e palavras), é o homem todo que reza. Mas para designar o lugar onde brota a oração, as Escrituras falam às vezes da alma ou do espírito, geralmente do coração (mais de mil vezes). É o coração que reza. Se ele está longe de Deus, a expressão da oração é vã. [...] A oração cristã é uma relação de Aliança entre Deus e o homem em Cristo. É a ação de Deus e do homem; brota do espírito e de nós, dirigida ao Pai, em união com a vontade humana do Filho de Deus feito Homem” (CIC 2565-2563).
O Rosário, por exemplo, nos ensina a contemplar os mistérios da encarnação assim como Maria os contemplou. O Ofício das Horas nos leva a consagrar nossa jornada e elevar nossa mente e coração a Deus nos diferentes momentos do dia. As orações e novenas dos Santos, além de conquistar os frutos de sua intercessão pelo mistério da Comunhão dos Santos, desabrocham em nós o coração suplicante de filhos que clamam. Todas essas práticas devem ser incentivadas em nossos grupos, porém devemos sempre motivar nossos jovens a buscarem desenvolver também a oração espontânea.
É importante também que guardemos esta verdade: a oração é graça, é um dom de Deus para o homem que clama!
Um fato concreto que eleva o relacionamento do homem com Deus ao grau da intimidade é a graça vivenciada pela Igreja com maior intensidade nesses tempos: a efusão do Espírito Santo. O Batismo no Espírito derruba toda barreira no coração humano para o relacionamento com Deus. É claro que sempre devemos nos esforçar para fazer a nossa parte. A Efusão do Espírito Santo é, portanto, o desabrochar da ação da Graça que pode ter ficado sufocada desde o nosso batismo. O Magistério nos ensina sobre a ação do Espírito Santo na Igreja: “O Espírito prepara os homens, antecipa-se a eles pela sua graça, para atraí-los a Cristo. Manifesta-lhes o Senhor ressuscitado, lembra-lhes a sua palavra, abrindo-lhes o Espírito à compreensão da sua Morte e Ressurreição. Torna-lhes presente o mistério de Cristo, eminentemente na Eucaristia a fim de reconciliá-los, de colocá-los em comunhão com Deus, a fim de fazê-los produzir ‘muito fruto’ (cf. Jo 15, 5.8.16)” (CEC 737).
Os nossos Grupos de Oração são terreno fértil e privilegiado para o desabrochar de um relacionamento fecundo entre o homem e Deus. Mas não só neles devemos buscar esse relacionamento. A oração pessoal é fundamental para crescermos em intimidade com o Senhor. “Quando orares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora ao teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê num lugar oculto, recompensar-te-á” (Mt 6, 6).
O relacionamento de Jesus com seus discípulos não se dava apenas durante suas aparições públicas, quando curava e pregava a Boa Nova. O momento privilegiado do Mestre com aqueles que chamou a segui-lo dava-se à noite, no monte ou na intimidade com os discípulos, sempre longe da multidão (cf. Mc 4, 10; Lc 9, 18; Lc 9, 28-36; Lc 18, 31; Mt 13, 36). É pela intensidade e pela grande quantidade desses momentos que Jesus, na sua despedida, pôde dizer: “Já não vos chamo servos, porque o servo não sabe o que faz o seu senhor. Mas chamei-vos amigos, pois vos dei a conhecer tudo quanto ouvi de meu Pai” (Jo 15, 15). O relacionamento com Deus não pode ser apenas o relacionamento de um servo com o seu Senhor. Devemos querer mais, devemos buscar uma amizade profunda com o Senhor, através dos momentos de intimidade. Isso não virá apenas pelo nosso esforço, mas pela Graça. Assim, devemos colocar-nos à disposição do Senhor e fazer a nossa parte, pedindo a graça da intimidade com Deus ao Espírito Santo. Portanto, importa estar sempre aos pés do Senhor. Essa é a pedagogia do Mestre. Ele ensina na ‘escuridão’, falando ‘ao ouvido’: “O que eu vos digo na escuridão, dizei-o às claras. O que vós é dito ao ouvido, publicai-o de cima dos telhados” (Mt 10, 27).
Nenhum comentário:
Postar um comentário